domingo, 15 de novembro de 2009

1369) Ingmar Bergman (3.8.2007)




O mundo está ficando mais deserto. Quando morre uma pessoa como o cineasta sueco Ingmar Bergman, a sensação que eu tenho é de olhar em volta e não estar vendo ninguém. Como se todos os personagens criados por ele ficassem transparentes, quase invisíveis, num estalar dos dedos. 

Bergman nunca foi o meu cineasta favorito, mas no tempo em que eu abri os olhos para o Cinema de Arte ele pontificava absoluto, incontestável, unânime. Mesmo os que não gostavam de sua temática sombria reconheciam o primor de sua linguagem. 

Fazia um cinema denso, sofrido, existencial, maduro. Paulo Francis disse certa vez: “A diferença entre Godard e Bergman é que Godard leu a orelha do livro, e Bergman leu o livro”.

O filme típico de Bergman é a história tormentosa da relação afetiva entre pessoas maduras. Aqui entram A Hora do Amor, Cenas de um Casamento, Persona, Gritos e Sussurros, filmes introvertidos, magnificamente fotografados. 

Como dizia Francis, Bergman sabe como ninguém dar concretude às pequenas coisas: uma xícara, uma janela, uma mão. Há vários títulos seus que nunca vi, talvez seja este o momento de conhecê-los: O Silêncio, Sorrisos de uma Noite de Amor, Noites de Circo, Fanny e Alexander. É uma obra imensa, mas hoje felizmente acessível em DVD.

Tenho uma queda especial pelos seus filmes que envolvem elementos fantásticos. 

O Sétimo Selo é uma fábula medieval sobre um mundo devastado pela peste, a qual no fim arrebanha a todos, menos um casal de saltimbancos. A imagem final, dos seis mortos dançando de mãos dadas na colina, conduzidos pela Morte, é uma das mais belas do cinema. 

O Rosto é a história de um mágico que visita um castelo e revoluciona as vidas de todos com seu ilusionismo. 

A Hora do Lobo fala dos fantasmas e dos pesadelos de um artista, tão intensos que sua esposa acaba por vê-los. 

Também gosto (ao contrário da maioria dos críticos) das suas obscuras e incômodas alegorias políticas como Vergonha, um filme sobre a sordidez moral imposta pela guerra, e O Ovo da Serpente, uma mistura de 1984 com O Show de Truman, em que um casal é submetido à revelia a cruéis experiências psicológicas.

Bergman costumava trabalhar com os mesmos atores, os mesmos técnicos (como o diretor de fotografia Sven Nykvist, um dos melhores do cinema), os mesmos enredos. Não era um cineasta fácil, e hoje não sei se é um cineasta para ver e rever obsessivamente aos vinte anos, como fazíamos. Pelo impacto massacrante de suas imagens e pela imensa verdade psicológica transmitida por seus atores, ficávamos com a impressão de que a vida real era aquilo e nenhuma outra coisa. 

Ficávamos achando que tínhamos de pensar como os personagens de Bergman, sentir como eles, experimentar a vida como eles. Não era só imaturidade emocional ou postura colonizada diante do cinema europeu. Era porque um prato na mesa, num filme de Bergman, parecia mais real do que o cinema onde estávamos.






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