(Myrtle Reed)
A caridade é uma das três virtudes teologais, juntamente com a fé e a esperança. Alguns doutores da Igreja a consideram a mais importante, mas das três é a que tem conotações mais negativas. “Caridade” (ou melhor, a condição de precisar da caridade alheia) virou sinônimo de miséria, mendicância, etc. “Fazer uma caridade” é sempre algo humilhante para a pessoa beneficiada. O “caixão da caridade”, que algumas igrejas emprestam para que os muito pobres levem seus mortos ao cemitério (e depois devolvam) é considerado por alguns a pior das humilhações, de quem “não tem onde cair morto”.
Ninguém quer ser miserável, ninguém quer estar na condição de nada ter, de nada poder dar. Se você chegar na casa de taipa de um sertanejo e tudo que ele tiver for um pão seco, ele lhe oferece metade. Em parte é generosidade; em parte é para mostrar que não está tão mal assim, que pode, sim, abrir mão daquilo. O ser humano é movido por impulsos contraditórios de abnegação e orgulho.
Caridade é sinônimo de esmola, e virou moeda de troca no comércio espiritual. Tem sujeito que quer ir para o Céu, vê um mendigo na rua e bota um donativo no seu chapéu. Sai dali satisfeito, imaginando que com isto melhorou seu saldo-médio, seu crédito, seu investimento, ou sei lá que conceito financeiro é adotado nessa contabilidade de valores. Será que é assim que funcionam os julgamentos do Altíssimo? Duvido muito.
Myrtle Reed, escritora norte-americana de cem anos atrás, disse: “Muita gente considera um ato de caridade dar a alguém suas roupas velhas e coisas de que não mais precisa. Não é caridade dar coisas das quais a gente quer se ver livre, assim como não é um sacrifício fazer algo que a gente não se importa de fazer”. Quando eu dou uma esmola, é um pouco nesse espírito. Vejo um guri com fome, um cara desempregado, meto a mão no bolso, dou a ele um real, dois reais, não importa quanto. Nem me passa pela cabeça que Deus (caso exista) bote isso no prato onde está escrito “CÉU” de uma balança com meu retrato. Não tem nada a ver com Deus. Dei o dinheiro pra o cara comprar um pão, isso fica entre mim e ele, e peço que esta ressalva seja registrada em ata.
Quando estou com livros sobrando em casa, chamo o pessoal da “Berinjela” e concedo-lhes 200 livros a troco de crédito. Não acho que tenha feito uma caridade: estou me livrando de algo que não me faz falta e que me tomava espaço. Uma negociação onde ambos os lados saem ganhando, mas, caridade? Nem pensar. Dar uma esmola é a mesma coisa.
É possível que eu tenha feito algum gesto de caridade na minha vida, afinal não me considero um caso perdido. Mas não fico pensando a respeito, porque ficar pensando significa ficar acendendo uma lanterna e chamando a atenção de Deus: “Ei! Olhe aqui! Deposite na minha conta!” Só existe caridade quando quem dá abre mão de alguma coisa que lhe era importante. Só existe sacrifício quando existe prejuízo. Quando nada se perde, nada se pode querer ganhar.
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