segunda-feira, 21 de setembro de 2009

1274) “300” (13.4.2007)



O filme de Zack Snyder, baseado na história do quadrinhos de Frank Miller, é uma dessas experiências em que todos os esforços se destinam à reconstituição do visual que lembre as “graphic novels”. Pelo que li, o filme foi rodado em um mês e meio, e depois passou por mais de um ano de pós-produção, em que cada tomada foi submetida a sucessivos tratamentos de software para ganhar aquele visual meio granulado, meio descolorido, que é o seu principal trunfo estético.

Em termos de roteiro, é uma defesa do militarismo, com alusões à política americana atual, que não sei até que ponto são voluntárias ou inadvertidas. Claro que o lado pró-americano é o mais visível. O filme defende a importância de se manter uma elite de guerreiros super-treinados, que podem facilmente, em inferioridade numérica, derrotar uma tropa de soldados amadorísticos, desorganizados. Esparta é até hoje, merecidamente, o símbolo de uma civilização de soldados, coisa em que muitos norte-americanos gostariam de ver transformado seu país.

Por outro lado, os espartanos são os invadidos, não os invasores. Se fôssemos comparar o filme à situação do Oriente Médio, eles poderiam ser comparados aos afegãos ou aos iraquianos que se sacrificam tentando repelir um exército muito superior. Analogia reforçada pelo fato do rei Leônidas ser a cara de Osama Bin Laden. Rodrigo Santoro, concordo, não lembra muito George W. Bush; mas o estilo afetado, efeminado e sibarita do Rei Xerxes lembra muito mais o lado decadente da civilização norte-americana do que a cultura talibã. Pode-se ver no filme uma alegoria de um país menor e mais pobre, porém digno e ascético, sendo invadido por uma potência riquíssima e pervertida.

A imprensa caiu de pau (o “Globo” publicou um artigo histérico e divertido de Arnaldo Jabor) na violência do filme: decapitações, mutilações, estripamentos, etc. Esse tipo de violência explícita descrita em câmera-lenta começou com Sam Peckinpah, e hoje se beneficia das tecnologias de animação que aceleram os movimentos intermediários e retardam o instante do orgasmo sádico em que um guerreiro traspassa o outro com a lança, mandando borrões de tinta vermelha em todas as direções.

Jabor tem razão em vários aspectos. A violência do cinema norte-americano atual parece ter a função de nos anestesiar, de nos embrutecer, de nos tornar cada vez menos sensíveis à violência, a fim de permitirmos que ela se propague. Qualquer coisa que aconteça, o sujeito dá de ombros e diz: “Ah, no cinema eu já vi coisa muito pior do que isso”. Existe no gênero do filme-de-guerra um limite muito fluido entre glorificar a coragem e glorificar a crueldade, entre mostrar a bravura e mostrar o sadismo. A proibição do sexo gerou a pornografia, um sub-gênero onde mostra-se apenas sexo o tempo todo, sob as formas mais mirabolantes. A violência, menos reprimida, está cada vez mais ganhando uma pornografia própria.

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