quinta-feira, 16 de abril de 2009

0981) O peru e a Bolívia (9.5.2006)


(Evo Morales)

Um grupo de amigos jogava pôquer num clube, mas tinha um sócio que gostava de ficar em pé, olhando as cartas de todos e dando palpite. “Pede somente uma carta, aí se vier copas você fica com um flush...” Os dias passando, o pessoal foi enchendo o saco, aí começaram a jogar buraco para ver se o peru desistia. Não adiantou. Ele continuava cercando a mesa, olhando por sobre os ombros dos outros e murmurando: “Não descarta esse 8 não, de repente isso vira uma canastra...”

Certo dia, chegaram no clube antes do cara e um deles teve uma idéia: “Vamos inventar um jogo que ele não entenda”. “Que jogo?” “Um jogo que não existe! A gente vai jogando e inventando!” Quando o peru chegou na sala, o jogo ia a todo vapor. O primeiro cara pegou uma dama, um 3 e um 5, arriou na mesa e disse: “Eu tenho um flarf! Aposto dez reais!” O segundo tirou algumas cartas do monte, arriou na mesa dois ases e dois 7, e disse: “Eu tenho um blorb! Seus dez, e mais dez!” O terceiro pegou um melé, um 2 e um 8, e disse: “Eu tenho um bong-bong! E dobro a aposta de vocês!” Aí o peru não se conteve e disse: “Tás maluco, cara? Tu quer ganhar de um flarf e de um blorb somente com um bong-bong?!”

Pois é assim que eu sou; pois é assim que eu sinto que sou, quando começo a emitir opiniões sobre assuntos herméticos e esotéricos como a desapropriação da usina da Petrobrás na Bolívia. Dou meus pitacos por esta compulsão de procurar sentido nas coisas que ocorrem à minha volta, principalmente quando elas acontecem na TV ou na primeira página dos jornais. Dito regras, teorizo, boto banca, mas em última análise os fatos históricos são um código ininteligível, é como assistir um filme japonês com legendas em búlgaro.

Um colunista é uma espécie de peru remunerado. Ele julga ser obrigação sua dar palpites sobre jogos cujas regras ele não entende. Que idéia posso ter das manobras de bastidores, dos telefonemas cifrados à meia-noite, dos jogos de poder regional, das prevaricações jurídicas, do xadrez de pequenas conspirações diplomáticas entre a direita e a esquerda da América Latina, das pressões de Havana e de Washington, e de tudo mais que resulta no gesto simbólico de Evo Morales, fazendo com as empresas de Lula o que Lula insinuou que ia fazer com as empresas de Bush? Muito bem feito! A Petrobrás não é o Brasil; é uma corporação em busca de lucros, como são o MacDonald’s, a Coca-Cola, a Microsoft de Bill Gates e a Halliburton de Dick Cheney. Ou será que é dela que devemos nos compadecer, e não dos pobres índios bolivianos, desnutridos e analfabetos? Afinal é “nossa” Petrobrás, nossa BR, que patrocina a Fórmula-1 e o futebol, que financia teatros e festivais de cinema! Que reviravolta foi essa nas regras do jogo? Ou será que a primeira reviravolta foi o que Lula deixou de fazer depois da posse? E quem diabo é esse Evo Morales, que quer ganhar de um flarf e de um blorb somente com um bong-bong?!

Um comentário:

Fraga disse...

Munto bão, adoraria ter saboreado esse texto à época. Sabe-se lá como tá marcado o baralho hoje, hehehe.