sábado, 11 de abril de 2009

0961) O leitor lacunar (15.4.2006)


(Virginia Woolf)

“Leitor lacunar” é aquele que preenche os espaços vazios deixados pelo autor do texto. Quem conta uma história não precisa contar todos os detalhes possíveis. Se você está narrando um acidente de carro que aconteceu numa rua, basta dar uma idéia do que é a rua, não precisa informar cada loja, cada prédio, cada casa que tem nela. Certas narrativas precisam de descrição detalhada dos personagens; para outras, basta dizer: “Um dia, João vinha andando pelo parque quando avistou uma carteira que alguém devia ter perdido”. A história prossegue, e para contá-la não precisa contar a vida inteira de João.

Em qualquer texto, o autor diz o que lhe parece necessário, cabendo ao leitor deduzir ou subentender o acessório. Há, contudo, um grau de lacuna um pouco mais sofisticado na “história de mistério”, onde o que é omitido pelo autor é parte essencial do jogo a ser travado entre ele e o leitor. O tipo mais conhecido de narrativa de mistério é a história detetivesca, tipo Agatha Christie ou Sherlock Holmes, mas o mistério pode ser mais amplo, sem se articular em torno de um crime e do desmascaramento do criminoso. O mistério pode ser folhetinesco, envolvendo situações-clichê como órfãos abandonados, heranças usurpadas, pessoas que têm amnésia ou que trocam de identidade, filhos que não conhecem os pais ou pais que perderam os filhos... Enigmas que despertam o poder investigativo do leitor, e cujas soluções farão parte do desfecho. A mecânica da apresentação de pistas verdadeiras e de pistas falsas, nestas histórias, tem semelhanças com a mecânica do romance de detetive.

O “leitor lacunar” ideal é o que rapidamente percebe que lhe está sendo exigido este tipo de leitura, e obtém um prazer extra dessa situação de “jogo” que lhe é proposta. É um leitor consciente do que faz, porque afinal de contas todo leitor faz a mesma coisa: preencher lacunas sem saber que o está fazendo.

Já no romance psicológico (Machado,Virginia Woolf, etc.) não há um mistério específico a ser desvendado. Trata-se de recompor, ao longo da leitura, inúmeras camadas de significados e de ressonâncias dos fatos narrados. Algumas são fornecidas pelo autor, e a partir destas o leitor irá imaginando outras. Aqui, o mistério é como uma dízima periódica, cuja resolução pode ser infinitamente prolongada sem que, a rigor, exista um final a ser atingido.

Um hipotético “nível 1” de literatura, o mais simples, consiste numa miríade de pequenos mistérios (ou lacunas) de ordem meramente prática, que um leitor mediano será capaz de preencher por conta própria e avançar na leitura. É o nível até de uma notícia de jornal, ou piada de botequim. Um “nível 2” seria a literatura de mistério, onde o autor omite fatos essenciais, para um jogo de esperteza com/contra o leitor. E um “nível 3” seria a literatura mais sofisticada, onde cada leitor constrói seu próprio edifício de deduções e recriações a partir da trama de fios e vazios proposta pelo autor.

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