Um velho provérbio italiano diz: “Traduttore, tradittore”. Tradutor, traidor. É um desses casos em que a semelhança abstrata das idéias é avalizada pela semelhança sonora das palavras. Ainda assim, a expressão italiana tem uma perfeição que nenhuma de suas possíveis traduções atinge. Em português, por exemplo, conseguimos conservar o começo e o fim, mas no meio da palavra o paralelismo se esvai, perde-se aquela seqüência implacável de consoantes. Em inglês dá-se algo parecido: “Translator, traitor”. Em francês, pior ainda: “Traducteur, traître”. Nenhuma delas tem a simetria de cadência do original. É verdade que se equivalem; mas sempre há uma perda.
Fala-se muito hoje em dia na utilidade dos softwares de tradução linguística, que às vezes quebram um galho. Se eu passar num deles um parágrafo inteiro em alemão, pelo menos fico sabendo se aquilo é uma propaganda de detergente ou um trecho da Bíblia, mas não posso considerar que tenho nas mãos uma tradução propriamente dita. Traduzir é acima de tudo entender abstratamente o contexto de origem (o que é difícil) e encontrar um contexto verbal equivalente na língua de destino (o que é mais difícil ainda).
Eu estava vendo na TV um filme legendado. Dois ladrões, à noite, estão arrombando um cofre dum escritório deserto, quando ouve-se uma sirene. Um deles resmunga, irritado: “Christ! The cops are coming!”. E o tradutor das legendas reproduziu, com fidelidade digna de um software: “Cristo! Os tiras estão vindo!”. Seria preciso traduzir, além das palavras, o tom coloquial que uma tal frase necessariamente tem, o que nos daria algo como “Meu Deus, lá vem a polícia!” Se o tradutor for desses bem realistas, e ainda por cima um leitor de Rubem Fonseca ou João Ubaldo, talvez ousasse mais: “Agora fudeu, chegaro os home!”.
Estou canso de ver as pessoas traduzirem “baby” (uma forma de tratamento multiuso em inglês) como “bebê”. Vamos devagar. O “Baby, you’re a rich man” dos Beatles quer dizer “Rapaz, você é um cara rico”. O “It ain’t me, babe” de Bob Dylan pode ser vertido como “Não sou eu, garota”. Um cara ao volante do carrão que diz “This baby cost me one hundred grand” está dizendo “Essa coisinha aqui me custou cem mil”. É um termo coloquial, íntimo, carinhoso ou desdenhoso de acordo com o contexto, e que só pode ser traduzido entendendo-se o contexto do personagem, da situação, do livro e do autor. Fazemos isso inconscientemente o tempo todo, em nossa própria língua, quando dialogamos com gente de contexto cultural diferente do nosso (um repórter entrevistando um favelado, por exemplo, ou um técnico da Embrapa trocando idéias com um lavrador).
Ferreira Gullar queixava-se uma vez de que um verso seu, algo como “Eu te vi na rua, cara”, foi traduzido em espanhol como “Te he visto en la calle, rostro de hombre”. São catástrofes a que nenhum tradutor está imune, mas é preciso evitá-las, porque toda tradução implica em perda; traduzir é reduzir.
3 comentários:
Essa de Ferreira Gullar me deixou rindo até agora, hehehehe.
Aliás, é como vemos também na tradução de títulos de filmes e livros, de itens de software e até mesmo em traduções do francês da Martin Claret, que foi capaz de traduzir: "du cou jusqu'au cul" como "nas costas".
Essa de Ferreira Gullar me deixou rindo até agora, hehehehe.
Aliás, é como vemos também na tradução de títulos de filmes e livros, de itens de software e até mesmo em traduções do francês da Martin Claret, que foi capaz de traduzir: "du cou jusqu'au cul" como "nas costas".
Vi um filme legendado sobre o romance de uma judia com um "goy" (não judeu) mas que a legenda tratava como "gay" o tempo todo! Foi hilário, eram dois filmes o tempo todo.... a mãe da moça reclamava e não compreendia por que ela amava tanto aquele gay.... enfim....tem um monte de histórias ótimas!
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