sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

0730) A hora do recreio (21.7.2005)


(os Beatles no recreio do Cavern Club)

O trabalho é uma condenação, um castigo a que devemos nos conformar, porque a vida é assim mesmo? Ou é a maior forma de realização do ser humano, na qual ele encontra a harmonia com o universo e descobre a finalidade da vida? Sei lá, meus camaradas. Vi esta semana no jornal o resultado de uma pesquisa segundo a qual 72% dos brasileiros são insatisfeitos com o trabalho que exercem. Achei enorme essa percentagem, e fiquei pensando quem serão os 28% restantes. Alguém me sugeriu: “Os artistas e os esportistas”.

Tem uma certa lógica. Arte e esporte são atividades lúdicas, que também valem pelo prazer que dão, e não só pelo que se pode ganhar com elas. Basta ver quanta gente ganha dinheiro com outra coisa mas tem na arte e no esporte uma atividade paralela, amadorística, de fim-de-semana. E já vi muita gente dizer: “Sou um cara feliz, porque me pagam uma fortuna para eu fazer a coisa que mais gosto: jogar futebol”. Tudo bem, mas será que o cara que é jornalista não tem prazer? O médico? O comerciante? O executivo? O professor? São tantas profissões neste mundo, umas bem pagas, outras muito mal, mas em cada uma delas eu penso que o sujeito pode ser feliz e realizado. Basta ver naquilo uma atividade que requer habilidade e talento, e saber que ele próprio é uma das pessoas com aquele talento. Nada dá mais prazer do que fazer uma coisa que a gente sabe que faz bem.

Muita gente inveja a vida dos cantores profissionais. Já vi muito leigo dizendo: “Coisa boa é ser cantor! O sujeito cobra um cachê de 20 mil reais pra passar duas horas cantando e tocando!” Calma, coleguinhas. Quem dera que fosse assim. Em primeiro lugar, um cantor profissional não embolsa a totalidade do cachê que recebe. Com aquilo ele paga os músicos da banda, o pessoal técnico (luz, som, etc.), mantém sua equipe pessoal (secretários, office-boys, contador, sei lá mais o quê), e no fim de tudo o que sobra para ele é apenas uma fatia da pizza.

Quanto às duas horas de trabalho... aí, meu amigo, é justamente o contrário. Tenho muitos amigos cantores e sou sincero, é uma vida que eu não invejo. É ensaio que não acaba mais, é negociação com músicos, é estúdio, é aeroporto, hotel, imprensa, receber fãs, camarim, fotos, entrevistas... Cada cidade em que se chega tem esse ritual. Tem que receber os repórteres, passar o som, encontrar o fã-clube, fazer-social depois do show com os produtores locais... Tudo isso também é trabalho. Claro que é muito melhor do que quebrar pedra; mas não deixa de ser trabalho. Para quem canta, o momento de subir no palco equivale à hora do recreio. Para quem joga futebol (e tem que passar por treino, preparo físico, musculação, departamento médico, concentração, gravação do comercial, aeroporto, hotel, reconhecimento do campo, entrevistas) o recreio começa quando o juiz apita e a bola rola. Tudo o mais é trabalho. Pode ser melhor do que carregar fardos de algodão na cabeça; mas é trabalho.

Um comentário:

tesco disse...

É verdade, Bráulio, até político tem tranalho também. Acho que o que deve ser investigado nas pesquisas é em relação a que existe essa insatisfação. Sei de profissionais que fazem de tudo pelo "privilégio" de exercer seu ofício, professores por exemplo,
mas cujas condições de prática e remuneração acarretam óbvia insatisfação. Daí, a resposta a uma indagação "Você está satisfeito com seu trabalho?" pode gerar muita confusão. Tem que se verificar se a pergunts foi: "Você está exercendo a atividade que sonhava?" ou coisa afim. _Abraço.