segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

0689) O evangelho segundo Lucas (3.6.2005)



Se eu fizesse uma lista dos melhores diretores de cinema de ficção científica, George Lucas só iria aparecer lá pelo 20o. lugar, e mesmo assim só por critério técnico. Não gosto dos seus filmes. São mecânicos, vazios, sem dramaticidade, especialmente estes dois últimos A Ameaça Fantasma e A Revolta dos Clones (ainda não vi este que saiu agora). Roteiros banais dirigidos sem emoção, bons atores interpretando mal, diálogos ridículos, um clichê atrás do outro. Na série de “Star Wars” salvam-se os dois primeiros filmes; o resto, se passar no liquidificador e coar não dá um curta.

O número de maio da revista Wired traz um matéria sobre Lucas que dá o que pensar. Ele confessa que está de saco cheio de super-espetáculos com efeitos especiais, e diz que agora quer dirigir e produzir os filmes que sonhava fazer quando era um estudante de cinema na Califórnia. Filmes experimentais, vanguardistas, cujo destino é passar em salas especiais para pequenos públicos (“pequenos públicos” para Lucas deve ser coisa de 400, 500 mil pessoas). Lucas foi um estudante de cinema como tantos outros, que se deslumbrava com os truques e as inovações técnicas de Norman MacLaren, e com as colagens de imagem e som de Stan Brackhage. Para quem se formou nessa escola, o cinema era acima de tudo um conjunto de equipamentos (câmera, iluminação, laboratório, moviola) com os quais era possível fazer combinações de imagens e sons que tendiam, idealmente, a se aproximar da pintura abstrata. Uma espécie de ultracinema.

Não admira que tenha sido Lucas o cara que de certa forma inventou o cinema digital. A lista das inovações técnicas que ele patrocinou não cabe nesta coluna (e a descrição delas não caberia neste jornal inteiro). Isso, no entanto, acabou esvaziando seus filmes de conteúdo humano, um conteúdo que ele mostrou de forma tão promissora em Loucuras de Verão (American Graffitti), que continua a ser até hoje um estranho-no-ninho dentro de sua filmografia. Talvez não seja: pelo que sabemos é o relato do que foi sua juventude pré-cinema: carros, garotas, sorvetes, rock-and-roll, molecagens inconseqüentes.

A matéria da Wired diz, com bom-humor, que Lucas começou no cinema como Luke Skywalker, cheio de ideais e de juventude, e hoje tornou-se Darth Vader, o poderoso chefão de um império, o guerreiro do Bem que se vendeu ao poder econômico. É uma ironia apropriada, mas ao mesmo tempo é algo meio injusto com um cara que revolucionou o cinema. Queiramos ou não, técnica é uma coisa fundamental, e o que Lucas e seu grupo fizeram é comparável às invenções do cinema sonoro e do cinema colorido. Para conquistar isto, vale a pena o cara sacrificar uma carreira de bom cineasta. Não faz falta! De bons cineastas o Brasil está cheio, mas não é todo dia que um sujeito cria um império tecnológico e possibilita se fazer cinema do jeito que um pincel faz uma pintura a óleo.

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