domingo, 14 de dezembro de 2008

0667) A vantagem do fracasso (8.5.2005)



A vantagem do fracasso é que você pode zerar tudo e começar de novo, de preferência fazendo uma coisa completamente diferente. A desvantagem do sucesso é que você não pode mais voltar atrás, tem que continuar fazendo aquilo, porque é o que todo mundo agora espera (ou exige) que você faça. O fracasso liberta. O sucesso escraviza.

Vocês acham que se Gauguin fosse um bancário bem sucedido ele poderia ter largado o escritório e ido para o Taiti, viver da pintura? Vocês acham que se a firma em que Raymond Chandler era executivo não tivesse falido, jogando-o no desemprego, ele teria virado escritor? Machado de Assis dizia que quando a Providência fecha uma porta abre uma janela, e foi pela janela da Arte que indivíduos como estes voltaram a fazer parte do mundo. Cuidado com aquilo que você pede a Deus, porque pode ser que ele atenda. O fato de desejar algo com muita intensidade faz com que às vezes a gente acabe tendo um retorno muito maior do que esperava. Já vi muito cantor de bom senso olhar uma música meio comercialesca, meio debilóide, e dizer: “Não, não vou gravar isso. Esse troço vai tocar pra caramba, vender pra caramba, e eu vou ter que gravar essas coisas pelo resto da vida”.

O sucesso é um avião que decola com você dentro, e nunca mais aterrissa. Poucas pessoas viam o sucesso de forma tão amarga quanto John Lennon e George Harrison, os dois maiores responsáveis pelo fim dos shows ao vivo dos Beatles de 1966 em diante (se fosse pelos eternamente otimistas Ringo e Paul, eles estariam tocando em estádios até hoje). Os Beatles, num gesto aparentemente suicida, interromperam uma carreira onde tudo estava dando certo. Pareciam estar matando a galinha dos ovos de ouro, mas na verdade acabaram com o circo insensato e rendoso que tinha se criado à sua volta, e foi somente depois disto que decolaram de fato como artistas. Há duas carreiras dos Beatles: um grupo pop cheio de talento, entre 1962-1966, e um grupo de músicos que revolucionaram as técnicas de estúdio e o próprio conceito de canção popular, entre 1966-1970. Há raros exemplos que uma quebra tão radical (e tão bem sucedida) com o próprio sucesso.

Por outro lado, o sucesso tardio serve como um bálsamo para quem já tinha se resignado ao fracasso. Os músicos septuagenários do “Buena Vista Social Club” passaram a vida mastigando um chiclete, e de repente ele começou a ficar cheio de açúcar. Em casos assim, qualquer incômodo, qualquer cansaço se esvai. O sujeito pensa: “Ora que diabo, passei 70 anos lutando para ter um décimo disto, e agora que me chega isto tudo vou afracar? Nem que a vaca tussa!” Deveria haver uma lei (refiro-me a uma Lei Cósmica, e não a esses irrelevantes documentos federais) estabelecendo que qualquer sujeito teria direito à fama e a fortuna em seu ramo de atividade, desde que o tivesse praticado por 50 anos ininterruptos sem obter nenhuma vantagem material. Talvez até já exista, e a gente é que não percebeu.

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