A imprensa noticia que o orfanato Strawberry Field (sem “S”), em Liverpool, está para fechar. As políticas de adoção têm se intensificado na Inglaterra, e os orfanatos estão ficando obsoletos.
Strawberry Field deve ter tido um papel social importante, mas a justificação cósmica de sua existência foi sem dúvida servir de inspiração para uma das mais misteriosas canções da música popular.
Música não é para ser simplesmente bonita (“Michelle”, por exemplo, é muito mais bonita). Música é para ser um permanente mistério, uma fonte incessante de significados, algo que toda vez que a gente escuta tem a sensação de que novas idéias e novas sensações borbulham e brotam dali, o tempo todo, sem parar.
SFF foi gravada em novembro e dezembro de 1966, depois de dois meses de folga dos Beatles após a gravação de Revolver. Ao retomar o trabalho em estúdio, esta canção foi a primeira coisa a ser gravada para o próximo álbum, Sergeant Pepper´s (acabou não saindo nele, por razões que não vêm ao caso agora).
A maior parte das análises sobre SFF se concentra nas suas trucagens sonoras (fita ao contrário, cortes, mudança de velocidade, etc.). Ian MacDonald, o melhor analisador das canções dos Beatles (Revolution in the Head), chama nossa atenção para outros detalhes.
A letra desconexa, fraturada, enigmática, reflete o esforço de Lennon, então com 26 anos, para juntar os cacos de uma personalidade massacrada pelo sucesso (os Beatles encerraram sua carreira de shows três meses antes desta gravação), pela crise conjugal (ele conhecera Yoko Ono poucas semanas antes) e pelo LSD (que ele experimentava desde o ano anterior).
Diz MacDonald:
“(Nesse período) Lennon parece ter perdido e recuperado sua voz artística, experimentando uma fase passageira de falta de articulação criativa, que se reflete no teor infantil e hesitante da letra. A melodia, também, mostra Lennon em seus momentos mais sonambúlicos, movendo-se inseguro por entre pensamentos e fragmentos de música, como um indivíduo momentaneamente cego que avança às apalpadelas, buscando algo familiar.”
Foram 55 horas de estúdio ao todo, e o rock, para o bem ou para o mal, nunca mais foi o mesmo.
"Strawbeey Field Forever", mesmo com todo seu vanguardismo e suas experiências eletrônicas, é uma canção mais carregada de emoção crua, à flor da pele, do que músicas aparentemente mais “emocionais” como “Girl” ou “This Boy”.
MacDonald observa, com conhecimento de causa:
“O verdadeiro tema do psicodelismo inglês não era nem o Amor nem as Drogas, mas a nostalgia pela visão inocente de quando se é criança.”
A mente do “Eu” desta canção é como uma folha seca esvoaçando entre o real e o irreal, em versos (que todo mundo transcreve diferentes) como:
“Always, no sometimes, think it´s me,
but you know I know when it´s a dream...
I think I know I mean a ´yes´, but it´s all wrong,
that is, I think I disagree.”
Não tentem traduzir, nem entender; só tem sentido na música.
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