Assisti o desenho animado Os Incríveis, que recomendo a quem quer que tenha gostado de Toy Story e da série Pequenos espiões de Roberto Rodríguez, com Antonio Banderas. É uma mistura dos dois. Super-heróis correspondem ao perfil unidimensional da cultura de massas. Cada um é identificável por um superpoder: Fulano incendeia, Sicrano congela, Beltrano é super-veloz, Fulano tem visão de raio-X.... Fáceis de identificar e de catalogar, mais fáceis ainda de inventar.
Os Incríveis é para a galera de 8 ou 10 anos. Para a galera de 12 ou 15 anos, tem a série X-Men, que pega os mesmos personagens mas já projeta neles uma dose mais adolescente de violência, dramas psicológicos, um certo erotismo. Uma experiência recente e curiosa com esses personagens da Marvel Comics é a série em quadrinhos 1602, escrita por Neil Gaiman, mostrando o aparecimento de mutantes equivalentes aos X-Men, com os mesmos superpoderes, na Inglaterra elizabetana.
O que me levou a matutar: existem histórias de heróis com superpoderes escritas para adultos? Superpoderes físicos e mentais equivalentes aos dos X-Men? O que me vem logo à mente são clássicos da ficção científica como O Homem Invisível de H. G. Wells, ou o magnífico romance de Robert Silverberg sobre um telepata, Uma pequena morte (Dying Inside, Editora 34). Mas são, afinal de contas, histórias de ficção científica, onde os autores estão trabalhando dentro dos limites do gênero. Mesmo sendo grandes escritores, como é o caso, trabalham com um olho no texto e outro no contexto, nas regras não-escritas do gênero.
Na literatura fora das fronteiras de gêneros, encontram-se excelentes histórias de super-heróis. Lembro o formidável Grenouille criado por Patrick Suskind em O Perfume (Ed. Record), o sujeito que tinha o olfato mais sensível do mundo, capaz de distinguir milhões de cheiros a quilômetros de distância. Há O Passa-Paredes de Marcel Aymé, um sujeito capaz de atravessar paredes sólidas. Não sei se posso incluir nesta lista o protagonista de O Arco-Íris da Gravidade, de Thomas Pynchon, um sujeito cujos orgasmos são tão intensos que atraem bombas V-2 e mísseis para o local onde ocorrem. Há o protagonista de Fermata, de Nicholson Baker (Cia. Das Letras): um sujeito capaz de imobilizar o tempo, deixando as pessoas “congeladas” como estátuas, situação da qual ele se serve para, digamos, divertir-se inocentemente com as senhoritas à disposição de suas fantasias. Há Funes, o Memorioso de Jorge Luís Borges, o ujeito que tem memória total e é capaz de recordar tudo que viu, sentiu e pensou em cada segundo de sua existência.
Pessoas com super-poderes fazem parte de nossas fantasias e de nossa cultura. O cinema e os quadrinhos geralmente se concentram nas possibilidades de espetáculo e ação física que sua condição acarreta. A literatura explora sua carga mítica, suas fraturas psíquicas, suas inesgotáveis conexões simbólicas.
2 comentários:
Gostei da ideia. Acho que vou tentar fazer um romance com um super-herói para adultos.
Teria que levar totalmente a sério o personagem. Qualquer deslize no humor ou na diversão faria a história parecer retroagir aos quadrinhos ou desenhos animados.
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