(ilustração de Banksy: http://www.banksy.co.uk/)
Li há alguns dias a entrevista de um escritor afegão, Atiq Rahimi, que mora em Paris. Perguntaram-lhe se ele gostaria de voltar a viver em seu país e ele respondeu:
“Não, porque lá não existem cafés abertos durante a madrugada, onde você possa sentar sozinho, ficar tomando café e escrevendo. Em países assim, não se tem direito à solidão, porque a vida em família e a vida social nos obrigam a estar o tempo todo em contato com outras pessoas.”
Senti um imenso alívio lendo isto, porque às vezes penso que sou o único ser humano que consegue ficar sozinho sem cair em depressão. Aqui na Zona Sul do Rio, para dar só um exemplo, a maioria das pessoas só existe em grupos, só existe em público, só existe sob a massacrante luz dos holofotes da atenção alheia.
Conheço pessoas incapazes de irem sozinhas a um restaurante, a um cinema. Só andam com uma “entourage”. Deixadas a sós, não saberiam o que fazer, porque não há ninguém olhando. A solidão, para elas, é uma maldição pior do que a morte, porque a morte tem o atenuante da inconsciência. Um morto não sabe que morreu, mas um camarada desses, sozinho, fica com medo de estar morto.
Vi muitos anos atrás um filme de guerra tcheco ou iugoslavo em que centenas de prisioneiros eram amontoados num imenso galpão, um vasto espaço único onde aqueles homens todos dormiam amontoados em camas ou colchões colocados um ao lado do outro. Era um vozerio constante, uma agitação interminável; imaginem um espaço do tamanho de um hangar, tão superlotado quanto um porão do Carandiru.
Pois um dos prisioneiros não agüentou aquilo, foi até o ângulo formado por duas paredes, esticou um cordão entre dois pregos, e pendurou ali um pedaço de pano. Por trás desse arremedo de cortina ele se sentava todos os dias. Para que? Para delimitar um espaço onde ele pudesse ter a ilusão de estar só.
Eu não sou um desses misantropos a quem a companhia humana incomoda. Pelo contraríssimo! Meu ambiente preferido é mesa-de-bar. Mas existem momentos em que a gente precisa estar sozinho, sem gente por perto, sem TV, sem música tocando, sem nem sequer a voz miudinha de um livro a nos dizer alguma coisa.
Sentar num terraço e olhar para um pedaço de muro. Ou caminhar de madrugada, com as mãos nos bolsos, pela cidade-fantasma adormecida. O que resta de nós, quando ninguém nos vê? Resta aquilo que somos depois de todas as fatorações, depois que eliminamos tudo que é reflexo da presença alheia em nós.
Li há alguns dias a entrevista de um escritor afegão, Atiq Rahimi, que mora em Paris. Perguntaram-lhe se ele gostaria de voltar a viver em seu país e ele respondeu:
“Não, porque lá não existem cafés abertos durante a madrugada, onde você possa sentar sozinho, ficar tomando café e escrevendo. Em países assim, não se tem direito à solidão, porque a vida em família e a vida social nos obrigam a estar o tempo todo em contato com outras pessoas.”
Senti um imenso alívio lendo isto, porque às vezes penso que sou o único ser humano que consegue ficar sozinho sem cair em depressão. Aqui na Zona Sul do Rio, para dar só um exemplo, a maioria das pessoas só existe em grupos, só existe em público, só existe sob a massacrante luz dos holofotes da atenção alheia.
Conheço pessoas incapazes de irem sozinhas a um restaurante, a um cinema. Só andam com uma “entourage”. Deixadas a sós, não saberiam o que fazer, porque não há ninguém olhando. A solidão, para elas, é uma maldição pior do que a morte, porque a morte tem o atenuante da inconsciência. Um morto não sabe que morreu, mas um camarada desses, sozinho, fica com medo de estar morto.
Vi muitos anos atrás um filme de guerra tcheco ou iugoslavo em que centenas de prisioneiros eram amontoados num imenso galpão, um vasto espaço único onde aqueles homens todos dormiam amontoados em camas ou colchões colocados um ao lado do outro. Era um vozerio constante, uma agitação interminável; imaginem um espaço do tamanho de um hangar, tão superlotado quanto um porão do Carandiru.
Pois um dos prisioneiros não agüentou aquilo, foi até o ângulo formado por duas paredes, esticou um cordão entre dois pregos, e pendurou ali um pedaço de pano. Por trás desse arremedo de cortina ele se sentava todos os dias. Para que? Para delimitar um espaço onde ele pudesse ter a ilusão de estar só.
Eu não sou um desses misantropos a quem a companhia humana incomoda. Pelo contraríssimo! Meu ambiente preferido é mesa-de-bar. Mas existem momentos em que a gente precisa estar sozinho, sem gente por perto, sem TV, sem música tocando, sem nem sequer a voz miudinha de um livro a nos dizer alguma coisa.
Sentar num terraço e olhar para um pedaço de muro. Ou caminhar de madrugada, com as mãos nos bolsos, pela cidade-fantasma adormecida. O que resta de nós, quando ninguém nos vê? Resta aquilo que somos depois de todas as fatorações, depois que eliminamos tudo que é reflexo da presença alheia em nós.
É por isso que o mundo da TV ou do show-business está cheio de gente que tem crise existencial e entra para a Seita do Lótus Iridescente, ou coisa parecida, só para ter uma desculpa (diante de si mesmos) para se trancarem num quarto meia hora por dia, sem falar com ninguém, sem ver TV, sem escutar o walkman. “Estou descobrindo meu verdadeiro Eu!”, bradam elas, felizes. Eu desejo bom Nirvana a todos, aqui da minha janela, olhando a hera avançar pelo muro.
2 comentários:
A solidão em si pode até não ser tão atrativa, porém, o fruto dela por vezes é bem interessante.
O momento de criação, por exemplo, ao menos para mim, só se dá com a solidão. Aquela frase inicial pode até surgir no meio da multidão, na mesa de um bar, mas o cinzelar a obra, somente quando estou só. Eu comigo mesmo.
Lembrei da primeira vez que fui a Londres, onde morei por um ano. Me senti confortável de ver pessoas caminhando sozinhas tranquilamente, tomando café sozinhas acompanhadas de um livro. Me senti acompanhada
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