O paradoxo é uma das mais sutis figuras de estilo, e consiste
basicamente em dizer ao mesmo tempo uma coisa e o contrário dela. É uma frase que detona a si mesma, que se
contradiz com firmeza e em voz alta.
Parece um contra-senso mas, dito da maneira certa (e lido da
maneira certa) acaba parecendo a única maneira correta de dizer aquilo. Carlos Drummond faz a narradora do seu “Caso
do Vestido” dizer às filhas:
Vosso
pai sumiu no mundo.
O
mundo é grande e pequeno.
É uma contradição? Sim e não.
O mundo é grande o bastante para que as pessoas vão embora e nunca mais
regressem, mas também é pequeno o bastante para que as pessoas voltem a se
encontrar.
O uso desta imagem ganha reforço para o leitor habitual de
Drummond, que no “Poema de sete faces”, já no seu livro de estréia, dissera:
Mundo
mundo vasto mundo
mais
vasto é meu coração.
E depois, em “Mundo grande” aduziu:
Não,
meu coração não é maior que o mundo.
É
muito menor.
Nele
não cabem nem as minhas dores.
Desse modo, termos como “grande” e “pequeno” tornam-se
relativos, maleáveis, quase intercambiáveis.
Tudo é grande e pequeno ao mesmo tempo.
O paradoxo deixa claro para o leitor que leituras ao pé da
letra são arriscadas; que é preciso negar a meras palavras qualquer valor
absoluto; que numa frase dessa natureza a mesma palavra pode estar sendo usada
com dois sentidos diferentes.
Para as pessoas que insistem na interpretação ao-pé-da-letra
de tudo que ouvem (aqueles que Nelson Rodrigues chamava “os idiotas da
objetividade”), um paradoxo é um erro, um contra-senso. Quando Carlos Drummond diz: “Ganhei (perdi)
meu dia”, o leitor-ao-pé-da-letra sente-se na obrigação de perguntar: “Mas
afinal, ganhou ou perdeu?”
(G. K. Chesterton)
A Inglaterra nos fins do século 19 foi um ambiente literário
fértil para o paradoxo. O romancista e
ensaísta G. K. Chesterton (1874-1936) foi um dos que o cultivaram com mais
brilho. Em seu livro Ortodoxia
está a frase famosa: “Um louco não é um homem que perdeu a razão. O louco é um homem que perdeu tudo, exceto a
razão”.
Chesterton mostra um louco como alguém que perdeu o sentido
real das coisas, mas não a capacidade de raciocinar. A razão do louco é “uma razão sem raízes, uma
razão no vácuo”. Ou seja: razão sem
princípios morais. Aliás, foi também
Chesterton quem disse: “Se não Deus não existisse, não existiriam os ateus”.
(Oscar Wilde)
Contemporâneo de Chesterton, Oscar Wilde (1854-1900) foi um
desses intelectuais que frequentam a alta sociedade e sempre têm na ponta da
língua uma frase espirituosa. Muitas
vezes seu improvisos de maior sucesso eram incorporados às suas peças teatrais,
que faziam mais sucesso ainda. Ali ele
celebrizou paradoxos famosos como “Sou capaz de resistir a tudo, menos a uma
tentação” ou “A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”, ou
ainda “Só há duas tragédias na vida: não conseguir o que se quer, e
consegui-lo”.
A linguagem literária usa a contradição criativa – e os
aforismos, epigramas e frases de efeito que as pessoas trocam no seu dia-a-dia,
em festas, reuniões sociais, etc., são linguagem literária, mesmo que surjam em
conversas de salão, e não em livros escritos.
São fragmentos de literatura oral,
improvisados, desvinculados de uma estrutura maior (conto, poema, etc.), mas
sua função é literária.
Quando ocorrem em obras literárias propriamente ditas,
reconhecemos ali um modo de dizer as coisas que ecoa nossa linguagem cotidiana,
onde a função afetiva pesa mais que a função denotativa.
(Guimarães Rosa)
Vemos em Guimarães Rosa frases como “Tudo o que é bom faz
mal e bem” (“Esses Lopes”) ou então “Nem alegre nem triste, apenas o oposto”
(“Palhaço da boca verde”). Esta última
nos remete de imediato para o verso famoso de Cecília Meireles, que Rosa
decerto conhecia: “Não sou alegre nem triste: /
sou poeta”. A formulação de Rosa
é linguisticamente mais precisa, e entrega o jogo, por assim dizer. O contrário
de “alegre” só é “triste” de um certo ponto de vista. O que Rosa nos sugere é que existe um modo de
ser (“Insensível”? “Sereno”? “Cerebral”?) que é o oposto da tendência a alegrar-se
e entristecer-se.
O paradoxo pode servir também para relativizar conceitos
subjetivos, como faz Nelson Rodrigues quando diz que “o dinheiro compra tudo,
inclusive amor sincero”. É como se
dissesse que a existência do dinheiro e a do amor sincero são incompatíveis,
que as duas coisas não podem existir no mesmo mundo.
Já Vinícius de Morares dizia do amor: “que não seja imortal,
posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”. A infinitude não é entendida aqui como a
não-cessação do sentimento, e sim como uma intensidade tal de sentimento que o
faz prolongar-se, de outra maneira, mesmo depois que cessa de existir. É uma idéia retomada por Drummond quando diz:
“Eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo / mas com tamanha
intensidade que se petrifica e nenhuma força o resgata” (“Eterno”), ou
“deixaram de existir, mas o existido / continua a doer eternamente”
(“Destruição”).
Na prosa, o paradoxo serve frequentemente para a ironia, o
sarcasmo ou outra forma de linguagem crítica, usada para desvendar ou desmascarar
contradições alheias.
Na poesia lírica, serve muitas vezes como revelação da
contradição íntima do poeta, que quer ao mesmo tempo duas coisas conflitantes,
ou que se vê forçado a admitir duas emoções incompatíveis. O paradoxo lírico revela que somos
contraditórios, que nossa mente se divide com facilidade, que nossos
sentimentos (e mesmo os nossos princípios morais) estão frequentemente em
choque uns com os outros. E se a
literatura não reproduzir isto, quem o fará?
(Uma versão
ligeiramente diferente deste artigo foi publicada na revista Língua
Portuguesa, Ed. Segmento, São Paulo, # 58, agosto de 2010.)
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