Reunião de condomínio é sempre um saco. Eu só vou quando convocado oficialmente pelo síndico. Aí é mais um-saco ainda, tipo ontem. Se queixaram do som alto, do entra-e-sai durante a noite, da saia curta de A, do cabelo rasta de B, o trelelê de sempre. A madame do 205 ergueu o dedo no ar, discursou, falou que era um absurdo, que alguma providência tinha que ser tomada, e por aí foi. Quando terminou eu fiz uma cara compungida e falei: “Está bem, está bem, afinal de contas estamos numa gerontocracia.” Ela entreparou, ajeitou o cabelo e disse: “Obrigada.”
Dona Lurdes ficava de vez em quando em pé de guerra quando
via o Dr. Aurélio gastando demais com ternos caros, uísques importados, e
principalmente sua coleção de jogos de xadrez de marfim, de jade, de
pedra-sabão. Ele ria, dizia que tinha direito àquilo, ganhava bem. Uma vez ela
disse: “Você só compra isso para se gabar diante dos amigos.” Ele respondeu:
“Meu amor, todo homem tem direito a um sonho na vida.” Ela disse: “Aurélio,
pare de tergiversar.” Os olhos dele se arregalaram e ele a abraçou, exclamando:
“Sabia que eu sou doido por você?!”
Era um debate entre estudantes, com revindicações à
reitoria, críticas à grade curricular, e tudo o mais. A certa altura um rapaz
de cabelo ruivo encaracolado pediu a palavra e disse: “Temos que marcar
posição, precisamos reunir massa crítica para exercer pressão, mas me preocupa
ver que os nossos colegas, em sua grande maioria, permanecem abúlicos.” Houve um breve e interminável segundo de
assimilação, mas logo um rapaz de barba preta ergueu a mão no ar e disse: “Não
somente abúlicos, estão todos catatônicos.” Foi o começo de um boa amizade.
Quando alguém visitava a casa de Filipinho, e os pais dele
sentavam de roupa trocada, fazendo sala, havia sempre um momento em que alguém
olhava o retrato do avô dele na parede, com seu uniforme. Perguntavam quem era,
a mãe de Filipinho explicava que era o pai dela. “Ele era oficial do
exército?”, perguntavam sempre. E a mãe dizia, num tom meio casual: “Sim, ele
era anspeçada.” Filipinho não lembrava
de alguém jamais ter perguntado o que era. Ele mesmo não tinha.
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Histriônico
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