quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

3415) A Ordem e o Caos (6.2.2014)




As grandes batalhas cósmicas nos romances de Fantasia eram batalhas morais entre o Bem e o Mal.  Variam os sistemas éticos, mas a guerra é essa.  

Aqui, torna-se mais claro um equívoco que muitos moralistas, muitos autores e muitos leitores praticavam, e ainda praticam.  Dizem eles que a luta do Cosmos é para o Bem destruir o Mal.  Está errado.  O Mal faz parte da estrutura atômica e molecular do Bem. Deve se submeter ao Bem, e não a si próprio.  

O Bem não precisa destruir o Mal, aliás nenhum dos dois pode destruir o outro.  Eles têm um equilíbrio como o de cavaleiro e cavalo. O Bem doma o Mal.

Já outras fantasias mostram a batalha entre a Ordem e o Caos. Um trecho do Universo onde exista apenas Ordem (se isso é fisicamente possível!) é um espaço morto, e onde houver apenas Caos, idem idem.  

O mundo é um equilíbrio dinâmico constante entre milhões de sistemas físicos, químicos, biológicos, psicológicos, sociais, econômicos, etc., interagindo, competindo, cooperando e se influenciando sem parar.  Um sistema estagnado, onde nada acontece, precisa de uma injeção de Caos para voltar à vida.  Um sistema totalmente aleatório, browniano, precisa produzir padrões de estabilidade e de Ordem, para se alimentar deles, captar sua energia, e reinvesti-la de novo.  É assim que as formas físicas crescem.

O Senhor dos Anéis é um misto dos dois. Uma história cheia de discussões morais, claro, onde J. R. R. Tolkien, embora não faça uma alegoria religiosa tão explícita quanto a que seu amigo C. S. Lewis fez na série Crônicas de Narnia, conta uma história de fundo moral. 

Tolkien dá a ela um interessante volteio narrativo: para destruir o símbolo do Mal, é preciso ir de encontro ao Mal, ir à borda do motor ígneo de sua energia, seu núcleo radioativo, a montanha-vulcão de Mordor.  É preciso ir ao coração das trevas. 

Essa luta é também uma luta entre a Ordem e o Caos. De posse do Anel de Poder, Sauron, o Homogêneo, transformará o Universo num “continuum” indiferenciado multidimensional com um buraco-negro no centro. Ele e seu Anel sugarão todo o Poder para esse centro-vórtice onde tudo colapsa em ausência, estendendo atrás de si um manto de entropia exponencialmente maior. 

O Mal é uma monocultura hegemônica. O Bem é feito de pequenas coisas sem objetivos maiores e com necessidades específicas. Hobbits, anões, ents, humanos, elfos, gigantes, cavalos, elefantes, árvores, frutas, as águas dos rios e assim por diante.  

O Bem é a cosmodiversidade. O Mal (Sauron) parece desejar uma Singularidade de pixels cinzentos, parece desejar uma Ordem superior, mas acaba criando o Caos por superconcentração.






3 comentários:

Kleber Brito disse...

Entre muitas leituras que tenho feito da obra de e sobre Tolkien, leio este seu texto e vejo abrir-se mais um portal que me convida a muitas outras leituras.

Valeu, Bráulio. Fiquei agora com a imensa vontade de ver publicada alguma obra sua (de umas 500 páginas no mínimo) sobre o universo de Tolkien. Seria uma leitura orgasmática, certamente.

Braulio Tavares disse...

Lamento, Kleber, mas pra falar sobre Tolkien eu teria que terminar de ler Lord of the Rings, e depois o Hobbit e o Silmarillion. Vou escrever primeiro sobre os que eu conheço bem.

Kleber Brito disse...

Tem pressa não. Eu espero.