quarta-feira, 7 de agosto de 2013

3258) O Conselheiro Aires (7.8.2013)





Machado de Assis é o rei do “innuendo”, da insinuação, das nuances, da arte de sugerir uma impressão sem dizê-la com todas as letras, capaz de nos descrever a roupa de uma mulher com o propósito de que a imaginemos despida. 

No Memorial de Aires (1908), seu romance crepuscular, ele conta o amor nunca concretizado do Conselheiro Aires, um diplomata sessentão aposentado, pela viúva Noronha, que é jovem e perdeu o marido após dois anos de casamento. Vendo-a no cemitério, Aires, que ali passeia com a irmã, Rita, acha a viúva bonita, mas Rita lhe garante que ela amou muito o esposo, foi feliz com ele, e não voltará a casar. A viúva, aliás, chama-se Fidélia, mas o Conselheiro graceja: “O nome não basta para não casar”. 

Note-se que tanto o Conselheiro quanto Rita também são viúvos, e o romance explora este trio inicial de casais fraturados pela morte de um dos cônjuges. Irmão e irmã comentam a possibilidade de que a viúva Noronha case com ele. Aires fica em dúvida: “Com os meus sessenta e dois anos?”. Ela contesta: “Oh! Não os parece: tem a verdura dos trinta”.


Aires torna-se amigo da viúva, acha-a “saborosa”, mas ao ler um poema de Shelley cita com melancolia: “I can give not what men call love”, e traduz: “Eu não posso dar o que os homens chamam amor... e é pena!”. 

Que minha alma arda nas fogueiras se estou sendo infiel à intenção de Machado, mas maldo que o sentido que ele dá à palavra é avesso ao sentido platônico de Shelley no poema original (“One Word is Too Often Profaned”). Na minha terra, “o que os homens chamam amor” é sexo, e é isto que Aires receia não poder dar à viúva. O Conselheiro é um sexagenário introvertido, cauteloso, do tipo que acha melhor não se arriscar do que pagar um mico.

Em maio (o livro é em forma de diário) ele sonha que pede a viúva em casamento e ela o aceita. Mas vai se desiludindo: 

“Está na idade de casar, e pode aparecer alguém que realmente a queira para esposa. Não falo de mim, Deus meu, que apenas tive veleidades sexagenárias; digo alguém de verdade, pessoa que possa e deva amar como a dona merece”. 

Aires torna-se testemunha, e às vezes confidente, do romance inesperado que surge entre a viúva e o jovem Tristão. No ano seguinte, os dois casam e embarcam para a Europa. Assim o Conselheiro descreve a despedida: 

“Não acabarei esta página sem dizer que me passou agora pela frente a figura de Fidélia, tal como a deixei a bordo, mas sem lágrimas. Sentou-se no canapé e ficamos a olhar um para o outro, ela desfeita em graça, eu desmentindo Shelley com todas as forças sexagenárias restantes”. 

O Conselheiro descobre, tarde demais, que ainda tem “a verdura dos trinta”.








2 comentários:

Anônimo disse...


Existem várias maneiras de se burlar o tempo: uma das maneiras é ir ao espaço. O primeiro terráqueo que saiu da terra para conquistar este mar foi: A LUA. Diziam, a língua dos corpos celestiais antigos, que A LUA era tão livre que não poderia permanecer na prisão gravitacional da terra, na terra é tudo grave, sem graça, a terra obedece às chatices universais como o velho é velho, o novo é novo.

A LUA sempre soube que isso é uma falácia, não há homem que não seja único, que não seja novo, mas na época apenas os surdos a escutaram, pois os outros estavam ocupados com o tique-taque do relógio. ELA tentou de novo “ Não seja um arreMEDO de terráqueo venha para o espaço”. Apenas, os poetas modernos vestidos de astronautas a escutaram, como, antigamente, apenas quem a escutou foram os poetas dos mares( cá pra nós, como A LUA os ajudou).

O astronauta, ao pisar NELA, percebeu que as coisas não eram tão graves assim. Espanto! “Podemos visitar o rosto da sereia na terra vermelha!”. Esbravejou o poeta. O mar é Brasil, quer dizer bravio, não importa, ou importa? O rosto na ilha das maravilhas pode ser uma miragem de porto em que ninguém esteja lá? É melhor pisar em terra firme do que ficar balançando no navio em alto mar? É como ir para marte procurando a resposta de um contorno que talvez seja de um rosto de alguém que morou lá?

Quando percebeu o som do tique-taque, ajeitou a fivela da cintura, traçou a rota das estrelas, ergueu o grande mastro para que fosse velejar em direção ao nordeste, e se lançou à “Miragem do Porto”, pois o caminho para quem (p)arte a(o) mar nunca foi o porto, sempre foi a(o) mar.

Sylvio R. Santos disse...

Que resenha refinada sobre O Bruxo, que foi ardiloso sempre.