(Ibne Ammar)
O Vale da Maldição
Quando cessavam as chuvas, era costume dos homens jovens da
tribo caminharem até o Vale das Ruínas para escavar a terra amolecida, à
procura de mausoléus dos Construtores. Era um ritual que punha à prova a força
física, a resistência e a ousadia dos jovens guerreiros.
Naquele outono, a pá de Uyal bateu numa quina metálica, e ele
gritou pelos outros.
Uma tarde inteira de trabalho exumou a parte superior uma
casamata de cimento, muito reforçada, mas já meio roída pelo tempo. Os líderes
calcularam que era um vão com quarenta passos de largura; o comprimento e a
profundidade, poderiam apenas supor.
Animaram-se ao descobrir num dos cantos um letreiro pintado.
As construções com letreiros (eles nunca tinham visto uma) geralmente guardavam
preciosidades: artefatos, máquinas em decomposição. Relíquias que podiam ser
comercializadas.
Um mensageiro veloz partiu para um povoado próximo, onde
havia quem decifrasse letreiros. Na manhã seguinte estava de volta, acompanhado
de um homem gordo sobre um burrico. O homem, que se chamava Hamatul, exigiu
primeiro uma refeição. Depois, foi levado ao sítio da escavação, onde pediu
para lavar as mãos e o rosto, fazendo um ritual pomposo que deixou o grupo impaciente.
Conduziram-no por cima da escavação, sobre tábuas oscilantes,
até o local onde o letreiro estava gravado. Ele examinou as letras uma a uma,
acompanhando-as com o dedo.
- O que diz? - perguntou Uyal, ansioso para saber a
importância de sua descoberta. O homem apontou as primeiras letras, todas
diferentes.
- R-a-d-i-o - disse ele.
- O que significa? -
perguntou Gibrim, um rapaz de barba em ponta.
Hamatul limpou o suor da testa com a manga.
- Era o antigo meio de fazer ouvir a voz à distância –
explicou. - Falava-se aqui, ouvia-se no povoado.
Uyal comentou:
- O eco dos vales.
- Não, - disse o homem. - Eram máquinas que ampliavam o som
da voz, que era recebido por outras máquinas.
Os rapazes se entreolharam.
- Isto pode ser útil - disse Uyal, os olhos fitos nas letras
vermelhas, desbotadas. - Em caso de guerra.
Os outros concordaram. Hamatul estava franzindo a testa
diante dos outros sinais. Por fim murmurou:
- A-t-i-v-o.
Os outros esperaram. Ele enfiou a mão nas dobras da túnica e
de um bolso interno puxou um Livro. Os rapazes se aproximaram, curiosos. Depois
de folhear e de examinar os sinais várias vezes, ele explicou:
- Que funciona. Quer dizer que funciona.
Houve um brado guerreiro, e as pás e adagas foram erguidas no
ar. Os rapazes jogaram-se todos ao trabalho, cavando, jogando terra para os
lados. Alguns atacaram trechos do cimento já corroídos.
Uyal pagou as moedas combinadas a Hamatul, que disse:
- Tenham cuidado. Diz-se há muito tempo que neste vale há demônios
invisíveis que matam somente com o sopro.
Uyal riu, confiante.
- Histórias de mulheres velhas, - disse ele, - para que os
homens tenham medo do conhecimento.
5 comentários:
Bom começo de romance, ou, pelo menos, de uma novela.
Ou talvez um final, Torero. 50 páginas do dia-a-dia da tribo, memórias fragmentadas do tempo "antes do Fim do Mundo", e conclui com isto.
Também é uma possibilidade. Vai fazer?
Se tivesse tempo, faria.
Tempo, o eterno problema.
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