quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

3049) Ser comunista (6.12.2012)






Tanto esquerda quanto direita já fizeram tentativas de impor ao mundo real conceitos abstratos extraídos de um silogismo filosófico qualquer. É uma atitude que, previsivelmente, é encampada com facilidade por intelectuais jovens com muita leitura e pouca vivência nas ruas. Você desenvolve uma argumentação veemente numa lógica irretorquível. Quando vai botar em prática, leva uma rasteira da Realidade. Nada mais irritante para um filósofo do que predizer uma castástrofe e não vê-la acontecer. Ou vê-la, dependendo do caso.

O marxismo sempre teve um lado ficção científica, no aspecto teórico. Ele se apresentava como uma interpretação científica da realidade, para se distinguir do socialismo utópico ou do comunismo  primitivo dos índios. O Materialismo Científico não era muito diferente da Psico-História de Hari Seldon, na trilogia da Fundação de Asimov. Uma teoria ambiciosa, assustadoramente veraz, com duas tintas de ingenuidade messiânica e mais quinze gotas de militarismo introjetado. Perto da seriedade do marxismo, qualquer outra teoria da história humana fica parecendo inventada por Robert Sheckley ou Douglas Adams.

As pessoas mais honestas, altruístas e corajosas que já conheci estão nestes dois grupos: as pessoas religiosas e os comunistas. Dois grupos que, em muitas circunstâncias, não se veem com bons olhos. Um erro da esquerda é um revolucionarismo que desdenha a alegria e tudo submete a uma moral puritana e sombria. Karel Tchápek, o autor de “A Fábrica dos Robôs”, disse certa vez:

“Numa de suas baladas o poeta comunista Jiri Wolker diz: ‘Nas profundezas do coração de vocês, meu povo, eu posso ver o ódio’. É uma palavra horrível, mas o mais interessante é que é totalmente inadequada. Nas profundezas do coração dos pobres o que existe mesmo é uma alegria espantosa e bela. O operário no torno conta piadas e se diverte muito mais do que o dono ou o diretor da fábrica. Pedreiros de construção se divertem mais do que o mestre-de-obras ou o proprietário.  E se dentro de uma casa houver uma pessoa cantando, é muito mais provável que seja a criada do que a patroa. Esse povo a que chamam proletário tem uma inclinação natural para uma concepção de vida quase infantil de tão alegre; o pessimismo comunista e o seu ódio melancólico são injetados artificialmente neles, e através de condutos impuros. Chama-se a adoção dessa depressão desesperada ‘a educação das massas rumo ao revolucionarismo’ ou ‘a reafirmação da consciência de classe’. Os pobres, tendo tão pouco de seu, passam agora a ser privados de sua primitiva alegria de viver; este é o primeiro pagamento que fazem para chegar a um mundo melhor no futuro”.



2 comentários:

Torero disse...

Concordo em grande parte, mas gostaria de fazer uma ressalva: o pobre Marx não era um sujeito soturno e sombrio como foi o marxismo em alguns países. Era um cara que gostava de vinho e fazia piadas escatológicas. Tanto que seu plano era que "O comunista poderia fazer uma coisa hoje e outra na semana que vem. Caçador pela manhã, pescador à tarde e pastor à noite. A liberdade triunfaria e a centralização, a burocracia e a vigilância do Estado opressor na vida do cidadão seriam banidas para sempre".

Braulio Tavares disse...

Marx e Engels foram as maiores vítimas do comunismo do séc. 20. Eram sujeitos cultos, com formação humanista. Marx era tão humano que comia a empregada. (Não estou ironizando.) A tragédia do marxismo foi ter sido posto em prática no menos adequado dos países, a Rússia agrícola e quase feudal. Se a Revolução de 17 tivesse acontecido na Inglaterra ou na Alemanha, a batida do bumbo era outra.