Há exatos 50 anos, em 5 de outubro de 1962, saía na
Inglaterra o primeiro compacto gravado pelos Beatles. O conceito de “compacto”
requer hoje em dia um pouco de explicação. O compacto era um disco pequeno, em
33 rotações, com uma música de cada lado. A música principal, para ser tocada
nas rádios, ocupava o lado A; o lado B era ocupado por uma música qualquer, que
estava ali apenas para completar o espaço, pois seria um desperdício lançar um
disco de vinil (que tipicamente, ao contrário dos CDs, permitia gravação de
ambos os lados) com apenas uma música. (Havia também o compacto duplo, com 2
músicas de cada lado.)
Naquela data, portanto, saiu o primeiro compacto dos Beatles,
com “Love Me Do” no lado A, e “P. S. I love you” no lado B. Eram duas típicas cançõezinhas dos grupos pop
da época, embora os historiadores, enriquecidos pelo capital interpretativo do
“desde então”, projetem em ambas uma porção de tendências futuras. A temática
amorosa e adolescente das letras dispensa comentários. Como o próprio Lennon
afirmou depois, “a gente estava em busca de criar um som, a letra podia ser
qualquer coisa, ninguém dava a menor atenção”. Claro que depois isso mudou, e o
próprio Lennon apontou “Help” como a primeira canção em que ele tentou dizer
algo que de fato sentia.
Em seu livro essencial Revolution in the Head, onde disseca em minúcias todas as canções dos Beatles, Ian MacDonald afirma que a canção era excessivamente “crua” para o padrão do pop da época, e que chamava a atenção “como um tijolo a descoberto na parede de uma sala de visitas’. Talvez por isto, pensa ele, o disco tenha apenas atingido o 17o. lugar nas paradas. Com sua gaitinha plangente e seu vocal que pareceu afinadíssimo (ninguém imaginava do que aquelas três vozes juntas ainda seriam capazes no futuro) “Love Me Do” era uma canção muito mais pobre, melodicamente, do que “P. S. I love you”, a baladinha-abolerada que lhe serviu de contrapeso.
Os Beatles, em sua curta carreira
de cerca de oito anos (entre 1962 e 1970) foram um exemplo único, na história
da música popular, de um artista que parte do mais simples ao mais complexo,
ano após ano, sem olhar para trás, e ainda assim arrebanhando e mobilizando
tudo que foi capaz de aprender e inventar ao longo do caminho. Quem imaginaria
que os rapazes que gravaram estas duas canções estariam, cinco anos depois,
gravando “A Day in the Life” e “She’s Leaving Home”? Ninguém. O futuro
influencia o passado, ilumina o passado, contamina o passado com um novo
sentido. Não sabemos, dos milhões de músicas lançadas hoje, qual a que daqui a
50 anos estaremos comemorando. Melhor ficar com os ouvidos bem abertos.
2 comentários:
Braulio,
Adoro os Beatles! Com a chegada dos CDs acabei me desfazendo de um acervo enorme de vinil e compactos que tinha. Enfim, a vida moderna chega e a gente segue o ritmo, fazer o quê? Adorei o artigo. Gr. Bj.!
L M D :)
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