sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

2750) O leitor fã (27.12.2011)



O fã é um produto típico de certa cultura de massas do nosso tempo, que requer não apenas o envolvimento afetivo com as obras de arte, mas uma dedicação emotiva em tempo integral. O fã é alguém cuja vida tem como centro seu ídolo, que pode ser um jogador de futebol, uma atriz de cinema, uma banda de rock, uma modelo. O leitor fã é o que transfere esse fanatismo (fã vem de “fanático”) para a literatura. O sujeito pode ser fã de um autor (os fãs de Stephen King), de um gênero (policial, ficção científica, etc.), de um personagem (Sherlock Holmes), de uma série de obras de autores variados (“Perry Rhodan”, etc.).

O que caracteriza o leitor fã é que ele se comporta diante do objeto de seu fanatismo como os fãs de Marilyn Monroe ou de Carlos Gardel se comportam diante dos seus ídolos. Qualquer farrapo de informação é importante, qualquer foto saída na imprensa merece ser recortada e pregada no álbum. O leitor fã faz listas de livros que precisa ler, listas de livros já lidos, listas de livros que precisa comprar, listas de livros que precisa perguntar aos amigos se vale a pena comprar. Costuma juntar-se a outros em clubes, onde a única conversa é sobre aqueles livros, e onde os membros debatem livros, comentam livros, trocam livros, compram livros usados uns aos outros.

Essa atividade frenética acaba atraindo o leitor, de forma quase imperceptível, para uma zona fronteiriça e nebulosa que, quando começa a se clarear de novo, revela ao incauto que ele cruzou um limite. Deixou de ser leitor e agora é somente fã. Um leitor é alguém que lê, que decifra palavras, que toma decisões interpretativas sobre cada frase, cada parágrafo, cada bloco de texto. O leitor recria em sua mente o mundo criado pelo livro e é forçado a tomar juízos de valor. O leitor fã, muitas vezes, torna-se fã para evitar essas tomadas de posição. Ele não quer ser inquietado por informações novas, desconcertantes, que ponham em xeque seus instrumentos de interpretação. Ele não quer novas experiências literárias. Quer o aconchego do eterno “um pouco mais daquilo mesmo”. O leitor fã abre mão do esforço de pensar, e lê apenas para lembrar, para refestelar-se no que já conhece.

Por isto o mercado cultua os fãs e alimenta sua obsessão de comprar todas as edições de um livro, todos os livros-de-fofocas sobre um autor, todos os livros de listas de um gênero. É o consumidor ideal, porque não compra mais com a intenção de ler. Quando o leitor fã abre os olhos, vê que não passa de um colecionador de livros que não lerá. Já não se distingue do cara que compra as meias de nylon de Evita Perón ou um travesseiro usado por John Lennon.

2 comentários:

Luis G. disse...

Braulio, Talvez seja necessário criar uma sub-categoria, aqui: a do leitor-fã distanciado. Isso porque há dois autores cuja obra completa estou determinado a ler e reler, mas separando, o tempo todo, o que são ideias deles, o que são as minhas. Mantenho uma admiração profunda por eles, mas plenamente atento para não viver experiências "de segunda mão". Abraços.

Érico San Juan disse...

Já tive experiência com uma escritora que me julgou um fã como os que você descreveu no seu texto. Ela sentia-se deitada no berço esplêndido de um elogio meu a um livro dela. Livro que elogiei em público, numa mesa-redonda onde ela estava com mais duas poetisas. Antes dessa ocasião, tinha feito um artigo a respeito da obra no meu blog. Tanto em público quanto no artigo, declarei que a obra tinha sido impactante aos meus olhos. Quando ela esperava que eu elogiasse do mesmo modo um outro livro dela, anterior a esse, tive que dizer o que achava: que o livro era "mais do mesmo", que o impacto anterior não tinha se repetido. Senti que ela não gostou, mas não me sinto na obrigação de alisar o ego de ninguém, só pra dizer que tenho contato com pessoas inteligentes: como escritores, por exemplo. Um abraço, Braulio.