terça-feira, 15 de junho de 2010

2154) Wilson Martins (2.2.2010)



Considerado por muita gente o maior crítico literário brasileiro, Wilson Martins morreu no sábado passado, aos 88 anos, em Curitiba, onde morava. Passei o domingo clicando Brasil afora para ver a repercussão de sua morte. Só achei notas curtas, com os dados biográficos, os prêmios, os títulos, e as obras principais, entre elas a única que conheço, a História da Inteligência Brasileira. Não a li toda: a edição que tenho é de sete volumes, embora alguns jornais falem em doze. Mas já a pesquisei muito, anos atrás, num tempo em que escavava, arqueologicamente, as raízes da ficção científica e da literatura fantástica brasileira. Wilson Martins tinha a combinação de dois talentos raros, o de muito ler e o de muito lembrar. Isto lhe permitia traçar o perfil de uma época literária recorrendo a dúzias de fontes heterogêneas. Romance, teatro, direito, poesia, imprensa, memorialismo, legislação, tudo isto ele consultava e costurava numa argumentação clara e muitas vezes ferina, fotografando o “espírito do tempo”.

Poucas pessoas terão lido tanto, ou, tendo lido, terão registrado com tamanha minúcia e visão pessoal suas impressões sobre o que leram. À esquerda e à direita Wilson Martins era tido como um franco atirador, um sujeito que não pertencia a nenhuma das dez ou doze confrarias informais que regem a Bolsa de Valores Literários do nosso país. Era um crítico que ia direto ao ponto quando se tratava de resumir em poucas linhas a contribuição de um autor ou os seus limites como criador literário. Muitos críticos são temidos pelos escritores porque sabemos que eles gostam de falar mal, justamente para serem temidos. Não era a impressão que me dava Wilson Martins. Tinha seus critérios de leitor, que muitas vezes divergem dos meus: lembro-me que nunca engoliu Sousândrade (que acho fascinante) e que costumava comparar Guimarães Rosa e Mário Palmério dizendo tratar-se do mais superestimado e do mais subestimado dos nossos romancistas regionais. Mas nada disso fazia parte da chamada “crítica vitriólica”, do “bater para ser respeitado”. Pelo que me ficou da leitura, Wilson Martins parecia ver nas obras o início, o fim e o meio de tudo, sendo os escritores e sua “persona” um mero fator a ser levado em consideração.

Tinha um humor fino, capaz de fazer murchar uma reputação pomposa com uma simples alfinetada no ponto certo. Pesquisar obras obscuras parecia diverti-lo imensamente. Num mundo dividido entre críticos textuais (que só veem as palavras) e contextuais (que só veem psicologia e sociedade), ele era capaz de compor vastos planos gerais da política, da história e da economia, ao longo de várias páginas, e partir dali para mostrar seus reflexos no enredo de um romance ou na temática de um florilégio de sonetos. Ia do texto ao mundo e de volta ao texto com um volteio da pena. Pensava com clareza e escrevia com elegância, o que sempre me fez abrir com alegria aqueles livros de 550 páginas.

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