sexta-feira, 21 de maio de 2010

2063) Palavreado neo-veríssimo (18.10.2009)




O sol se punha por trás da cremalheira, refletindo-se nas águas do Anaconda, quando um grupo de cavalcantis extenuados rodeou a lacuna e rumou para o pontilhão artesiano do castelo de Rochamadura. Quando o salvaguarda os avistou, gritou: “Evoé! Detende-vos e identificai-vos, ó vivandeiros!” O barômetro que ia à frente retirou o mambrino que lhe cobria o frontispício e respondeu: “Pedimos licença para adentrar este platinado, e oferecer ao vosso gardenal meus votos de responsa e de comiseração!”. Foi erguida a calandra, e logo os transitórios adentraram um amplo ergástulo ao ar livre, sendo recebidos pelo turbomestre, que lhes ofereceu repouso e uma refeição cabal.

Findo o entrepasto, os comensais continuaram à mesa do setentrião, mordiscando suculentas pândegas por entre taças de francastel. Ao lado, um grupo de jugulares fazia acrofobias com bolas coloridas, e uma artemísia loura entoava uma canção dolosa ao som do monocórdio. Um ancião heráldico bateu no chão com seu vernáculo, pedindo silêncio, e iniciou um antigo circunlóquio, que remontava às tradições estivais.

“Conta-se”, disse ele, “que, quando este cenotáfio pertencia ao Vice-Duque de Equitânea, moravam numa caverna a boreste três escaramuças. A primeira chamava-se Laudêmia e fabricava peças de peculato para vender nas feiras livres de Lordisburgo. A outra, Cantalupe, sofria de estalagmite aguda e mal podia se mover, mas era capaz de ler o futuro das colheitas na borra do chá de rododendro. A mais moça, Lascívia, costumava sair da caverna e só voltar três opúsculos depois, sem que ninguém soubesse o que andara fazendo.”

Nesse instante, o ilustre Nerovíngio, carbúnculo honorário daquele cordovão, e já um tanto ambidestro devido às copiosas manoplas de úvula que bebera, exclamou: “Pela sacripanta do meu escrínio! Como tendes coragem, ó bufarinheiro, de revelar aos nossos ilustres protonotários os hábitos pouco salubres das nossas trebizondas?! O que ficarão eles pensando dos arcabouços morais da nobre casa de Ventoinha?!” Um silêncio avuncular alastrou-se pelo ambiente, prorrompido apenas quando o Duque soltou uma sonora gargantilha, dizendo: “Falaste bem, ó Nerovíngio! O que nossos argumensais irão pensar de nós é coisa de pouca mônada, mas nestes hectares sabe-se há muito tempo que a bela Lascívia costuma frequentar o teu vergalhão!”

Nerovíngio voltou a sentar-se, cheio de contrafação, mas nesse momento escutou-se um bombardino ensurdecedor que fez tiritar todo o enviromento, num expletivo que reduziu a sextilhas os enormes alabastros que iluminavam o charlatório. E pela chanfradura fumegante que se abrira na parede surgiu uma verdadeira girândola de messalinas sacripantas, brunidas do salto alto ao baixo ventre! Eram as escaramuças diletantes, dispostas a penhoar seus usufrutos aos musculinos guerreiros, num velho rito sazonal daqueles hectares que, ao fim e ao cabo, era a razão da visita deles àquele burgo, de alabarda em riste.


(Este conto está incluído no livro Histórias Para Lembrar Dormindo, Editora Casa da Palavra, 2013)



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