segunda-feira, 17 de maio de 2010

2052) O espírito das línguas (6.10.2009)




(Paulo Rónai)

Um provérbio diz, sobre os idiomas: “O italiano canta, o francês fala, o inglês cospe, o alemão vomita”. Cada língua tem um espírito próprio. 

No tempo da poesia marginal, quando a onda era escrever poemas de três ou quatro linhas, escrevi um intitulado “Filme de Amor”, que dizia: “Paixões em francês. / Brigas em italiano. / Separações em sueco”. Era uma alusão velada a Truffaut, Antonioni e Bergman, mas parece que existe mesmo um perfil emocional em cada idioma do mundo, e, se não existe, fabricamo-lo. 

 Há uma canção intitulada “French is the loving tongue”, porque trata-se claramente de uma língua de arrulhos e biquinhos. O italiano é a língua da veemência, do desabafo, do esculacho acompanhado por gestos impublicáveis e onomatopéias ruidosas. E o sueco é um idioma invernal e lúgubre, cujas consoantes parecem cacos de vidro.

Já se disse também que o alemão é a melhor língua para se dar ordens, e é o idioma ideal para se usar com os cães e os soldados. Curiosamente, minhas experiências com gravação magnética numa moviola me demonstraram que nada parece tanto com os fonemas do alemão quanto o português ouvido ao contrário. Tenho pra mim que se um dia alguém reverter uma fita magnética com um discurso de Hitler vai se deparar com a transmissão de um Gre-Nal.

Conta-se que Carlos V, rei de Espanha afirmou certa vez: “Falo com meu cavalo em alemão / com as damas da corte italiano / para os assuntos de homens em francês / mas só falo com Deus em espanhol”. 

 Esta é uma interessante radiografia cultural, porque os “assuntos de homens” podem ser interpretados como assunto políticos e militares, numa época em que o francês era a língua da diplomacia internacional. Os assuntos de alcova, portanto, eram transferidos para o italiano, o que também não é má escolha, visto que era o idioma natal de Cláudia Cardinale e Mônica Vitti.

Paulo Rónai, o mais húngaro dos brasileiros, disse uma vez que a língua portuguesa era um segredo delicioso compartilhado por apenas 250 milhões de pessoas. É difícil avaliarmos o espírito da nossa própria língua, porque foi ela que formatou nosso pensamento, nosso ouvido, nossa imageria mental. 

Os estrangeiros veem uma beleza enorme nas nossas vogais, que são melodiosas, e mais variadas (dizem) do que nas outras línguas. 

Também elogiam entusiasticamente os complicados multirritmos polissilábicos preponderantes na lusofonia. Para quem vem de idiomas rudemente saxônicos como o inglês, onde a maioria das palavras têm apenas uma sílaba, deve ser uma experiência desconcertante.

Poderíamos pensar na composição de romances poliglotas em que diferentes estados emocionais fossem reproduzidos através de narração ou diálogo em diferentes idiomas, de acordo com os exemplos acima, ou com outros a gosto do autor. 

Um texto em que não apenas o vocabulário fosse expressivo, mas também os fonemas e as peculiaridades gramaticais das outras línguas sendo utilizados como recursos estéticos.




Nenhum comentário: