quinta-feira, 6 de maio de 2010

2003) O bebê e o bêbado (9.8.2009)




Se você tem ou já teve filhos pequenos, saberá do que estou falando. Criar um bebê até dois anos de idade é como cuidar de um bêbado, e mais do que isso, um bêbado que demora anos para ficar bom da carraspana. 

Acho que a experiência de cuidar de bêbados é mais rara do que a de cuidar de crianças, então vou descrever mais ou menos do que se trata, e vocês que me dêem razão.

Um bêbado do qual cuidamos é sempre um amigo, e um amigo do qual a gente gosta muito. Quando não é amigo a gente simplesmente o evita, e, no pior dos casos, pede a conta e vai beber noutro lugar. Mas, o que fazer quando estamos a sós com um bêbado chato, e esse chato calha de ser um grande amigo? Não há outro remédio senão cuidar dele.

Um bebê (como um bêbado) não entende o que a gente diz, mesmo quando é capaz de repetir em voz alta nossas ordens. Não entende e não obedece. Um bêbado (como um bebê) é uma criatura constantemente em perigo. Pode cair, pode se machucar, pode rachar a testa na quina de uma mesa, pode quebrar uma perna escada abaixo. 

Daí que é preciso estar sempre ao seu lado para onde quer que queiram ir, acompanhando, cercando, braços prontos para evitar que caia. Não adianta dar conselhos nem explicar o que devem fazer. Sua percepção do mundo é confusa, desorganizada, e mesmo que entendam o que estamos dizendo já o terão esquecido daí a pouco. O mundo mental de um bebê e de um bêbado abarca apenas os últimos minutos e os próximos segundos.

Isso para não falar nos momentos mais vexatórios. A gente se distrai por alguns minutos do bebê (ou do bêbado) enquanto atende um telefonema, e quando retorna o encontra em petição de miséria, porque vomitou ou fez xixi. É preciso conduzi-lo para o banheiro, tirar a roupa suja, empurrá-lo para o chuveiro (o bêbado, não o bebê) ou então dar-lhe um banho completo (o bebê, não o bêbado).

Bêbados e bebês têm outro aspecto em comum, o fato de que contam não com um Anjo da Guarda, como nós, mas com quatro: na frente, atrás, à direita e à esquerda. Somente esta teoria explica o fato de que sobrevivem aos próprios tombos e às bobagens que fazem, como enfiar o dedo na tomada ou dirigir de volta para casa. 

Cuidar de uma criança pequena significa ter dentro de casa esse bêbado permanente, essa fonte constante de inquietações e desassossegos, esse ímã de pequenos acidentes. Significa dormir com um olho aberto e o outro fechado para ver se de repente a criatura levantou sozinha e resolveu vagar pela casa; e com os dois ouvidos em alerta, para ter a certeza de que continuamos a ouvir o som da respiração no quarto ao lado.

Quando a gente cuida de um amigo que tomou uma carraspana, nunca deixa de cobrar-lhe no encontro seguinte: “Você, hem, rapaz? Vê se não apronta de novo. Na próxima vez te deixo dormindo na calçada!”. 

Ah, se pudéssemos dizer isso àqueles bebinhos inocentes, que cambaleiam vida adentro, ainda tontos do pileque da Eternidade!






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