domingo, 18 de abril de 2010

1927) A Coisa Pública e a Privada (13.5.2009)



Os políticos costumam confundir a Coisa Pública com a Privada. Esta curiosa expressão, “coisa pública” (em latim, “res publica”) batizou nossa forma de governo, a República, em que todos os cidadãos contribuem com uma parte dos seus ganhos e nomeiam, a intervalos regulares, funcionários de confiança para administrar esse dinheiro. A Coisa é pública pela sua origem (a contribuição é de todos) e também pelo seu destino, porque o dinheiro deve ser empregado em obras de interesse de todos. Só que é uma dessas situações em forma de ampulheta, com dois imensos espaços ligados por um gargalo minúsculo. Para que o dinheiro investido por todos chegue às obras que são do interesse de todos, cada grão de areia deve passar por esse gargalo, que se chama Administração (da Coisa) Pública.

Não era assim que eu via a questão quando garoto. Na minha infância, tínhamos uma noção obscura de que os políticos eram “As Pessoas Que Mandam no Mundo”. Alguém ou Algo lhes dava esse direito de mandar em todos os cidadãos: “É proibido fazer isso! É obrigado a fazer aquilo!” E o cidadão tinha mais era que obedecer as ordens dos políticos, senão ia preso. Eram como deuses. Vi, com o coração batendo forte, o carro aberto em que Juscelino Kubitschek adentrou Campina, dando a volta pelo Açude Velho e subindo a Rua Miguel Couto rumo ao centro da cidade. Contemplei à distância, agarrado à mão de Tia Adiza, os vultos ora de Severino Cabral, ora de Newton Rique, discursando em palanques iluminados, sob o pipocar das girândolas. Newton chegava ao microfone, esperava amainar a gritaria e dizia com voz calma: “Campinenses amigos...” E eram mais dez minutos de foguetão e “Vassourinha” antes que ele pudesse prosseguir no discurso.

“Quem manda em Campina?”, perguntava eu, ansioso, aos cinco ou seis anos. E minha mãe, taxativa: “O Prefeito”. Eu insistia: “E no Brasil?” E ela: “O Presidente da República”. Um dia, fui mais longe: “E quem manda no mundo?” Ela titubeou, mas a fé falou mais alto: “O Papa”. Eu digeri aquela informação e depois revelei meu plano: “Quando eu crescer quero ser o Papa”. Na verdade, não me movia a vontade de mandar em ninguém. A única coisa que eu desejava era que não houvesse ninguém mandando em mim.

A República mudou a forma de escolha dos governantes mas não mudou a atitude papal de submissão e respeito, herdada da Monarquia. O povo daquele tempo via os reis como representantes legítimos de Deus na Terra, a quem devemos obediência e louvores. E de certo modo é assim que vê ainda hoje os políticos, sejam eles vereadores, deputados, prefeitos, governadores ou presidentes. Em vez de vê-los como profissionais pagos para resolver um problema, são vistos como “As Pessoas Que Mandam Na Gente”. As repúblicas de hoje são como uma fazenda cujo dono vive nela sem saber que é sua. Pensa que o proprietário é o caseiro que a administra, e que vive nela à tripa forra.

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