terça-feira, 13 de abril de 2010

1902) O Espontaneísmo (14.4.2009)



Falar na contracultura dos anos 1960 é retomar alguns temas básicos: drogas, religiões orientais, vida comunitária, sexo livre, redes descentralizadas de produção e relacionamento. Existem, no entanto, aspectos que são típicos daquela época e que desde então não têm parado de se alastrar, e cada vez mais fazem parte do espírito do tempo. Se isto é algo bom ou ruim... “aí, varêia”, como diz o pessoal em Campina.

Falarei do Espontaneísmo. Naquela época e em toda a primeira metade do século 20 predominava na cultura uma mentalidade vertical, hierárquica. Os pais falam, os filhos escutam. Os professores ensinam, os alunos aprendem. Os mais velhos mandam, os mais novos obedecem. Pois bem, quando a Contracultura (incluídos aqui o rock, o movimento estudantil de maio de 68, a imprensa alternativa, a poesia marginal, a música independente, o cinema underground) começou a travar sua refrega contra a cultura oficial, passou a propor (e em algumas áreas a impor) a visão contrária. E na criação artística isto acabou se transformando no que chamo de Espontaneísmo.

O que é ele? É uma forma de anti-intelectualismo. A não-necessidade de treinamento, cultura, formação, etc. para fazer algo, especialmente nas artes. Todos são iguais. A criação de todos tem o mesmo valor. O que vale é a intuição, a sensibilidade, a auto-expressão, etc. De repente, para ser músico, não era mais preciso estudar em Conservatório: bastava um violão mal-afinado e uma voz cheia de entusiasmo e boas intenções. Para escrever um romance, não era preciso ter lido romances, bastava ter folheado uma edição do “Finnegans Wake” experimentando um baseado (ao que me dizem, esta é uma experiência irreversível, o cara nunca mais será o mesmo). Para ganhar a vida, não era preciso “se formar”: bastava ficar sentado numa praça criando arabescos com fios de cobre e vidrilhos coloridos. E assim por diante.

Era uma forma de anti-autoritarismo, anti-intelectualismo no bom sentido. Era uma das muitas utopias coletivistas e democratizantes daqueles anos em que um dos lemas era “Eu sou ele, como você é ele, como você é eu, e nós somos e estamos todos juntos”. Era uma forma de dizer “não” a uma velha geração travada, repressora porque insegura, autoritária porque sem argumentos, egoísta por medo e hipócrita por egoísmo. Uma maneira de dizer: “Isto que estamos fazendo é mal feito, é desordenado, é sujo, mas é nosso, isto exprime a totalidade do que somos, mais do que se fizéssemos uma obra-prima seguindo os critérios de vocês”.

Como explosão localizada de revolta, isto tem o mesmo valor terapêutico das rebeldias adolescentes e das “picardias estudantis” que toda geração experimenta. Quando isto passa, fica a questão: Como conciliar esse humanismo estético com critérios rigorosos de escolha? Os últimos 40 anos têm sido dedicados ao trabalho de criar um novo sistema de critérios, algo que faça a ponte entre a velha razão e o Espontaneísmo da contracultura.

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