quarta-feira, 3 de março de 2010

1739) Credite se quiser (7.10.2008)




Entre muitas outras coisas a crise atual nos EUA é uma crise de crédito. Vejam bem essa palavra: crédito. “Creditar” significa “acreditar”, confiar, assumir compromissos baseado em algumas certezas que não são palpáveis, são certezas morais. Se um amigo me deve mil reais, eu tenho todo o direito de somar esses mil reais às minhas posses. O dinheiro existe, é meu, e cedo ou tarde virá de volta às minhas mãos. Eu acredito nisso, e baseado nessa crença posso assumir uma despesa de mil reais no futuro próximo, confiando (acreditando) que ficará uma coisa pela outra.

Isso é o que os cidadãos fazem. Outros fazem diferente. Por exemplo, eu posso pedir a um amigo rico que deposite um milhão de reais na minha conta, para devolução futura. Munido do meu extrato bancário, eu corro às lojas, provo que sou rico, e me meto a comprar automóveis, mobílias, roupas caras, o escambau, tudo a crédito. Os lojistas creditam porque acreditam que eu tenho um milhão de reais, ou seja, posso pagar aquilo tudo sem problema algum. Depois que eu faço uns 600 ou 700 mil reais em compras, devolvo o milhão do meu amigo, mais um agiozinho para compensá-lo do esforço, e pronto. Aqui estou eu, com casa montada, vivendo na boa, sem ter gasto um tostão.

Como vou pagar, já que minha conta voltou ao zero? Bem, por enquanto não sei, basta ir atrasando as prestações e esticando a corda até não poder mais. Quando uma conta de 100 mil estiver a ponto de ir para execução judicial, eu pego 100 mil emprestado a alguém, liquido aquela e volto a cozinhar as demais em banho-maria. Quando o credor destes 100 mil, daqui a um ano, estiver fulo da vida com minha demora em pagar, basta arranjar 110 mil com algum outro incauto, pagar ao anterior, e começar a cozinhar este. E assim por diante.

Duvido que algum brasileiro não já tenha pensado em fazer algo semelhante. Aqui no Rio há milhares de pessoas que, sem um tostão furado, moram em cobertura e pilotam carro-do-ano. Vivem de manipular, para lá e para cá, um dinheiro que nunca tiveram, um dinheiro que passa pelas suas mãos apenas o tempo necessário para gerar crédito, para que alguém acredite que eles de fato têm o que aparentam ter. No dia em que um dominó dessa fila for derrubado, não fica nem um só de pé.

Como aprendemos há muito tempo em mesas de bar, quando a gente não tem como pagar uma conta, o jeito é deixar que ela aumente. A maior dívida pública do mundo é a dos EUA. E agora eles estão privatizando os bancos, com o dinheiro do contribuinte, para que os banqueiros não tenham mais prejuízos do que já tiveram. Os EUA são a viga-mestra do sistema, e todo ano ela dá um estalo mais forte. Getúlio Vargas disse certa vez: “Dívida velha não se paga”. Perguntaram: “E dívida nova?” Ele deu uma baforada do charuto e respondeu: “Deixa-se envelhecer”. Tudo envelhece, menos a sabedoria das velhas raposas do cassino. Se o cassino vai durar para sempre... aí é outra história.

2 comentários:

Rico disse...

"E agora eles estão privatizando os bancos,". Será que você quis dizer estatizando...

Braulio Tavares disse...

Ih, é mesmo. É porque aqui no Brasil para cada vez que se usa o verbo "estatizar" usa-se dez vezes "privatizar". O uso do cachimbo deixa a boca torta...