No imenso areal, sob um sol abrasador, ergue-se o corpo gigantesco na Estátua da Liberdade, enterrada até a cintura, erguendo sua tocha de pedra, toda avariada. Esta imagem dispensa explicações. Sabemos logo que centenas ou milhares de anos terão se passado, e que no mundo do futuro isso será tudo que sobrou da ilha de Manhattan. A maioria dos espectadores recordará esta como sendo uma das imagens clássicas da ficção científica no cinema. Ela é o clímax do filme O Planeta dos Macacos de Franklin J. Schaffner (1968). (A imagem pode ser vista, p.ex., aqui: http://fatadelic.wordpress.com/2007/12/05/you-know-the-saying-human-see-human-do/
Qualquer sujeito que usasse hoje uma imagem tão famosa seria imediatamente acusado de plágio. Mas tenho aqui sobre a minha mesa o exemplar de fevereiro de 1964 da revista Amazing Stories, cuja capa, desenhada por Alex Schomburg, mostra (quatro anos antes do filme) a mesmíssima imagem, só que as ruínas da estátua são contempladas por astronautas que acabaram de descer de um disco voador.
Um leitor esperto irá argumentar que o filme dos macacos se baseia num romance de Pierre Boulle, de 1963, e que talvez Schomburg tenha colhido de lá a idéia.
Mas uma visita ao websaite “The Last Flight of Icarus”, relacionado ao filme, nos mostra (http://www.goingfaster.com/icarus/faq.html) que o mesmo Schomburg havia desenhado outra capa com o mesmo tema para a revista Fantastic Universe em 1953! O saite mostra as duas capas de Schomburg.
Quando a gente começa a pesquisar coisas desse tipo, é como extrair conchas ou cacos de cerâmica de um sambaqui. Quando mais cava, mais aparece.
Uma olhada na indispensável Encyclopedia of Science Fiction de Peter Nicholls & John Clute, mostra, no verbete relativo ao filme, este comentário, sobre a imagem da estátua semi-soterrada: “uma imagem maravilhosa, talvez inspirada pela capa que Hubert Rogers fez para a revista Astounding Science Fiction, em fevereiro de 1941”.
Não contei conversa, cliquei no Google e fui lá (http://storypilot.com/sf/art/asf/asf-194102.jpg). De fato, lá está a imagem de um casal em roupas de tarzan-e-jane, remando numa canoa, aproximando-se de uma praia na qual se ergue o familiar pedestal de pedra, sendo tomado pelo matagal, e a familiaríssima estátua, meio estragada mas reconhecível. A única diferença é que não está meio enterrada; mas trata-se, claramente, da única ruína sobrevivente de uma grande cidade.
Chegando em 1941 resolvi parar, pois só o que me faltava era ir parar num romance de FC anterior a 1886 (ano da inauguração da estátua) onde ela já aparecesse cumprindo esse papel de derradeira ruína de nossa civilização.
Cópias, imitações, influências, plágios, empréstimos compulsórios, homenagens à revelia, tudo isto é o feijão-com-arroz da indústria cultural. No caso da FC, é o processo através do qual se criam e se perpetuam os nossos mitos sobre o Espaço e o Tempo.
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