segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
1655) Nas garras do terror (2.7.2008)
Quando estou batendo papo com o pessoal na faixa dos 20-30 anos de idade, gosto de recordar “pérolas de nostalgia” dos tempos da ditadura. Quem viveu naquela época passou por situações kafkeanas, absurdas, que hoje são motivo de gargalhadas, mas que naquele tempo, quando a gente sabia que podia ser preso e talvez torturado por motivos absolutamente banais, eram de tirar o sono. Os jovens riem e dizem: “Mas não é possível! Como é que vocês agüentavam viver num tempo assim?” E eu respondo: “Não era muito diferente dos tempos de hoje, pelo menos na Europa e nos EUA. Leiam os jornais, leiam os blogs”.
As ameaças do terrorismo estão gerando pelo mundo afora fatos e situações tão risíveis e aterrorizantes quanto os que nós, estudantes, esquerdistas e cabeludos em geral, vivíamos durante os anos Médici e Geisel. De vez em quando registro esses fatos aqui nesta coluna. Primeiro, porque isto me diverte imensamente. Segundo, porque chamando a atenção para o absurdo disso pode evitar que a gente acabe enveredando pelo mesmo caminho. Terceiro, para reafirmar uma das minhas percepções literárias favoritas, a de qualquer comportamento humano parece absurdo e ridículo, se não compartilhamos todas as mediações e motivações que lhe deram origem.
Numa simples edição do blog de Cory Doctorow (www.boingboing.net) dois desses fatos são relatados. Diz uma manchete no blog: “Empresas aéreas européias testam câmeras-espiãs em cada poltrona para detectar terrorismo em sua expressão facial”. Um projeto muito high-tech: câmara estarão focando o tempo inteiro o rosto de cada passageiro, enviando imagens que serão examinadas por um software capaz de detectar intenções terroristas. Sinais suspeitos seriam, por exemplo, passar a mão no rosto repetidas vezes, ou suar excessivamente. Câmeras colocadas no teto se encarregariam de monitorar outras atitudes suspeitas, como alguém correr dentro do avião, passar um tempo excessivo nas proximidades da cabine, etc.
Outra matéria do blog é fornecida por um correspondente. No aeroporto de Heathrow, em Londres, ele foi obrigado pelos guardas de segurança a trocar sua T-shirt. Por quê? Porque o desenho da camisa mostrava um robô dos “Transformers” empunhando uma metralhadora. Ao que parece, os guardas acharam que isto punha em risco a segurança do vôo. Civilmente, europeiamente, os guardas explicam ao rapaz que ele precisa trocar de camisa. Ele tenta apelar para o bom senso: “Olha aqui, pessoal, isto é apenas um desenho. É um robô de uma série de filmes de animação.” “Claro,” diz um guarda, “é o Megatron”. Na verdade não é o Megatron (informa o correspondente), é Optimus Prime, mas convenhamos que a identidade do robô é o que menos importa num momento como este. O que faz o passageiro? Por sorte ele está viajando apenas com bagagem de mão. Antes os olhos compenetrados da segurança, ele tira a camisa perigosa, guarda-a na mochila, veste outra, e viaja em paz.
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