(foto meramente ilustrativa)
Não lembro qual era o filme desse dia, mas a série era com Superman, e o cartaz mostrava Superman amarrado a um poste, cercado por zulus que dançavam erguendo as lanças.
Voltamos para casa por volta do meio-dia (morávamos ali pertinho, na Miguel Couto) e estava havendo uma festa. Meu pai e uma meia-dúzia de amigos bebiam em voz alta. No rádio ligado a todo volume, por entre um chiado permanente, a voz metálica do locutor não parava um instante sequer. Havia uma eletricidade no ar, os homens estavam afogueados e nervosos, embora exultantes.
Minha tia nos levou para o quarto, e explicou: “O Brasil está ganhando a Copa...” Depois fui dar uma espiada na sala, e foi justo quando o locutor no rádio expandiu e alongou uma nota musical, fazendo com que aqueles homenzarrões gigantescos (eu tinha 7 anos) explodissem todos ao mesmo tempo, pulando, abraçando-se como meninos, derrubando garrafas, entornando baldes de gelo.
Daí em diante a festa não parou mais. O rádio foi esquecido, a gritaria continuou. Guardei (talvez por não tê-la entendido) uma frase eufórica dita por um amigo de meu pai: “E ainda dizem que galo no terreiro dos outros não canta!” Daí a pouco parou um carro em frente de casa, e desceram pessoas dançando, com os braços para o ar. Meu pai foi recebê-las no meio da rua e só então percebi que por alguma razão os vizinhos sabiam do que estava se passando, porque nos terraços e nas janelas também eles gritavam, agitando bandeiras verde-amarelas.
Lembro que na calçada houve um momento de contradição e perplexidade. Meu pai erguia os dedos e gritava para os recém-chegados: “4x2!” E eles retrucavam o gesto: “Cinco! Foi cinco!” Vim a entender depois que a gritaria lá em casa era tão grande que perdemos a irradiação do último gol de Pelé, marcado aos 44 minutos.
Saímos dali em carreata. Era um dia tão excepcional que nós crianças fomos também. Fomos para o SESI, onde estava havendo uma festa muito alegre, com música tocando, e as pessoas se abraçando como se fosse o aniversário de cada uma delas. A certa altura, meu pai, já triscado pelo rumontila, subiu ao palco, pegou o microfone e gritou: “Minha gente! Viva o Brasiiiiil!” Fiquei meio constrangido (“Ele pensa que todo mundo escutou o tal do jogo!”), mas todos gritaram vivas e agitaram bandeirolas.
A Copa mesmo eu só entendi nos anos seguintes, lendo, pela ordem, todos os números da “Manchete Esportiva”, que meu pai colecionou e encadernou. Sofri, de jogo em jogo. Mesmo sabendo o resultado, ler os relatos me arrastava de volta no Tempo, alternadamente temendo a catástrofe e acreditando na vitória final. Na vida é assim, primeiro a gente vive, depois entende, e quando entende, vive de novo.
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