domingo, 7 de fevereiro de 2010

1621) Os Mutantes II (23.5.2008)




O segundo disco dos Mutantes, lançado em 1969, veio arredondar e tornar mais nítido o estilo musical do grupo. 

Alguém já disse que “estilo é a repetição organizada de certos cacoetes pessoais”. Coisas que no primeiro disco dos Mutantes pareciam pirações aleatórias ou doidices sem propósito foram repetidas, ampliadas e aprofundadas no segundo disco. Não era barulheira caótica, era um jeito pessoal de fazer as coisas. Se o segundo disco tivesse sido totalmente diferente do primeiro, ninguém iria entender nada. Do jeito que foi, cristalizou um estilo.

Os Mutantes experimentavam muito na parte vocal. Vocal infantilóide em “Rita Lee”, vocal gaguejante em “Qualquer Bobagem”, vocal caipira em “2001”, vocal distorcido em “Dia 36”. 

Cada canção parecia cantada por um grupo diferente, e ao mesmo tempo, depois que o ouvido acostumava, a gente via que eram sempre eles. 

As citações aos Beatles e Rolling Stones continuavam presentes em cada faixa, mas é difícil, para quem não estava vivo naquela época, entender a onipresença e o peso desses dois grupos, que eram uma espécie de duas Torres de Castelo numa paisagem cheia de cabanas de lavradores. Todo mundo estava à sua sombra.

Em “Fuga no. 2” o grupo retoma um tema recorrente da contracultura: o jovem que foge de casa (“She’s Leaving Home” dos Beatles, “Mamãe Coragem” de Torquato Neto). 

Pra mim, sempre exigente, o ponto fraco dos Mutantes eram as letras, que tinham aqui e ali uns ótimos achados, mas no geral... Ainda hoje contraio o rosto quando ouço, na belíssima “Caminhante Noturno”: “Vai, caminhante, antes do dia nascer... Vai, caminhante, antes da noite morrer!” 

Em “Rita Lee”, eles invertem duas proposições óbvias quando dizem: “Suas noites são vazias / porque são tão frias”. Mas, fazer o quê? Eram uns garotos. Tocavam pra caramba, cantavam pra caramba, tinham uma inventividade incansável e borbulhante. Querer que ainda por cima fossem grandes poetas era demais. 

A letra de Tom Zé para “2001” consegue se destacar de todas as demais e ainda assim estar no clima do grupo. E certas letras enigmáticas como “Dia 36” ganharam mais espessura com o passar do tempo (parece um diálogo de filme de FC distópica).

“Dom Quixote” é uma de suas melhores canções. Tem trechos de madrigal renascentista, poesia concreta, referências pop (chiclete, Crush); tem uma segunda parte com virada de bateria, sopros, guitarras estridentes, igualzinha ao que os ingleses estavam descobrindo na época. 

E quando leva Dom Quixote para um programa de TV (“Palmas para o Dom Quixote que ele merece!”) tem uma impudente antevisão da “pop-ficação” do mundo. 

É um final que me lembra o final de Simão do Deserto de Buñuel: o santo numa boate de Nova York, ao lado do Diabo metamorfoseado em loura, ouvindo um conjunto tocar rock. 

É como se dissessem: “Não existem mais heróis, não existem mais santos. Os heróis e os santos de hoje estão todos na Mídia”.








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