domingo, 7 de fevereiro de 2010

1620) “O Rosto” (22.5.2008)





Um dos filmes menos comentados da inesgotável filmografia de Ingmar Bergman, O Rosto (“Ansiktet”, 1958) é, juntamente com A Hora do Lobo, o mais próximo que o diretor chegou ao que chamamos de filme de terror. 

A ação decorre em pouco mais de um dia. Em 1846, um ilusionista e sua trupe chegam à mansão de um nobre onde têm que realizar seu espetáculo diante do nobre, do chefe de polícia e de um médico, todos três interessados em comprovar ou desmentir a existência de fenômenos sobrenaturais. O relacionamento da trupe com os moradores da mansão redunda em episódios cômicos, sinistros, maliciosos ou violentos.



Não existe nenhum elemento propriamente sobrenatural no filme. O que há é uma pervasiva atmosfera de medo, de misticismo e de mistério. A chegada do “Teatro de Saúde Magnética de Vogler”, com promessas de leitura do pensamento, levitação, poções mágicas, etc., cria na mansão um clima de tensão e incerteza, mesmo que todos ali desconfiem desde o início que aquilo não passa de um grupo de charlatães. 



Todo mundo tem uma máscara. Vogler (Max von Sydow) usa barbas postiças e finge que é mudo. Sua mulher Manda (Ingrid Thulin) se veste de homem. Seu assistente Tubal vende remédios comuns dizendo que são poções afrodisíacas. Simson, o cocheiro, tira onda de grande conquistador, mas quando leva a criada (Bibi Andersson) para o quarto vê-se que ela é muito mais traquejada nessas coisas do que ele. A única pessoa legítima é a avó de Vogler (Naima Vifstrand), uma estranha feiticeira de óculos. Ela parece demonstrar que o mundo dos espíritos é real.



As pessoas da mansão se perturbam com a presença do grupo, e as máscaras também começam a cair. A esposa do Cônsul Egerman (dono da casa) se deixa fascinar pela mudez e pelo jeitão de hipnotizador de Vogler, e tenta entregar-se a ele (sem saber que o marido a espreita e vê tudo). A esposa do Chefe de Polícia é chamada como cobaia de uma experiência de leitura do pensamento, e revela com loquacidade uma série de segredos constrangedores de sua intimidade com o marido. 

O único que parece autêntico é o Dr. Vergerus (Gunnar Bjornstrand), materialista convicto, que mesmo deixando-se apavorar por Vogler numa longa cena no sótão, permanece materialista até o fim. Ele é o oposto simétrico à Avó Vogler, e parece demonstrar que a descrença no sobrenatural é tão invulnerável quanto a crença nele.

Vogler é um charlatão e sabe disso, mas seu falso ilusionismo produz uma série de efeitos colaterais que sugerem uma teoria interessante. 

Grande parte dos nossos conceitos sobre o que é real se baseiam em premissas que nunca nos damos ao trabalho de checar. Algumas são falsas, outras não. Quando nos submetemos a experiências fora do comum, o estilhaçamento das premissas falsas põe em xeque nosso conceito do Real, e abre caminho para que aceitemos premissas sobrenaturais que são igualmente falsas. Não é que o sobrenatural exista, é o nosso conhecimento do Real que é defeituoso.






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