segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

1599) “Estranhos no Paraíso” (27.4.2008)




Para muita gente, cinema minimalista são aqueles filmes de Andy Warhol onde nada acontece. Como Sleep (1963), mostrando durante seis horas, sem cortes, um cara adormecido numa cama, ou Empire (1964), mostrando durante oito horas a mesma imagem imóvel do Empire State Building. (Eu radicalizaria esse minimalismo: bastaria um segundo, ou um fotograma, para cada filme desses). Obras assim, no entanto, fazem parte de um capítulo especial do cinema – são filmes-de-artista-plástico, cuja função é propor e discutir conceitos vanguardistas. Estão na mesma prateleira dos filmes de Yoko Ono e companhia.

Mais interessante do que isso são os filmes minimalistas com formato do cinema comercial: com história, cenários, personagens, diálogos, ação, mas tudo reduzido ao mínimo, ao essencial. Cineastas como Robert Bresson, Eric Rohmer, John Cassavettes, Godard, Julio Bressane, fizeram filmes assim. Dias atrás vi na TV a cabo um exemplar que não conhecia: Estranhos no Paraíso de Jim Jarmusch (1984), um filme que na época de seu lançamento fez um sucesso enorme aqui no Rio, e ao qual não dei muita atenção.

O título original é Stranger than Paradise, ou seja, “Mais estranho que o Paraíso”. Para mim, é como se o diretor dissesse: “Num filme besta como este acontecem mais coisas do que num filme de James Bond ou Indiana Jones”. Willy é um jovem imigrante húngaro, morando em Nova York numa quitinete minúscula. Ele recebe por alguns dias a visita indesejada de sua prima Eva, que vem de Budapeste. Willy vive de ganhos no pôquer com seu amigo Eddie, e de apostas em corridas de cavalos. Depois que Eva vai morar com uma tia em Cleveland, eles pegam um carro emprestado e vão fazer-lhe uma visita. Num repente, decidem levar a moça para conhecer a Flórida.

O filme consta de uma série de planos sem cortes, geralmente com a câmara imóvel do começo ao fim (em alguns planos, a câmara se desloca acompanhando um personagem que caminha). Cada plano é separado do anterior e do seguinte por alguns segundos de tela escura (ruídos, vozes e música se fundem aos da cena seguinte). Parece um filme feito em estrofes, em unidades fechadas, independentes. O trio de atores não faz esforço algum para dar suas linhas de texto. A interpretação é naturalista, descontraída, ainda que os atores passem a maior parte do tempo em silêncio enquanto a câmara roda.

Filmes como O Senhor dos Anéis ou 2001, uma Odisséia no Espaço são como grandes concertos orquestrais que nos inundam de estímulos e nos transportam para outro universo. Mas assistir filmes como Estranhos no Paraíso, e os dos outros diretores citados acima, nos coloca de frente com a essência do cinema. É como assistir um show “voz e violão”, as canções nuas, em preto e branco, sem orquestra, sem efeitos. É um cinema mínimo e essencial, a história incomum de gente comum, a história imprevisível de vidas rotineiras, a história verdadeira de gente inventada.

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