quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

1582) Um crime imperdoável (8.4.2008)



Zezinho é operário da construção civil e gatuno contumaz, acostumado a dar-um-ganho nas posses alheias sempre que arranja um jeito. Trabalha no acabamento de edifícios, e não é raro que esteja finalizando um trabalho num prédio onde outros apartamentos já estão ocupados pelos moradores. No fim de uma tarde propícia, ele dá um jeito de ficar por último. Uma vez sozinho, pega uma gazua (ou cópia de chave, obtida em cumplicidade com o porteiro) e entra em algum apartamento cujos moradores estão fora. Pega coisas miúdas e cai fora. Seu grande golpe até hoje foi um notebook, que levou dentro de um jornal.

Uma noite, Zezinho fez a manobra habitual, mas teve azar. Estava no apartamento há poucos minutos quando ouviu a porta da frente se abrir e o dono da casa entrar. Pelo que o homem murmurava, Zezinho (que se escondeu rapidamente e prendeu a respiração) percebeu que ele trazia a filha semi-adormecida, que a deixava na cama de um dos quartos, e ia à garagem trazer o resto da família. Zezinho amaldiçoou-se pela falta de sorte, mas sabia que tinha alguns minutos para cair fora. Esperou o homem sair. Quando ouviu a batida da porta da frente, contou até vinte e saiu, pé ante pé.

Talvez tenha feito barulho, ou talvez a garota tenha levantado por algum motivo. Ela o viu passando no corredor, assustou-se, correu para a porta gritando pelo pai. Zezinho agarrou a menina, começou a bater nela; a garota chorava e chamava o pai. Desvencilhou-se dele e fugiu para o quarto. Zezinho a perseguiu, desesperado. Ele mesmo não lembra direito o que fez em seguida, mas depois de feito precisava ganhar tempo. A janela tinha uma tela de nylon. Ele a cortou com o que viu à mão. Enfiou por ali o corpo, deixou-o cair, achando que a queda atrairia todo mundo para o térreo. Saiu aos tropeções pela porta da frente do apartamento, e ao chegar às escadas ainda ouviu o elevador se abrindo e as vozes da família.

É absurda, minha história? Pode não ter acontecido, mas improvável não é. Por que até agora ninguém pensou numa história parecida com relação à morte da menina Isabela, dias atrás, em São Paulo? O pai e a madrasta da menina estão presos, e existe uma corrente-pra-frente, da imprensa e da opinião pública, querendo a punição dos dois. Talvez sejam culpados, por que não? Violências irrefletidas acontecem por aí, o tempo todo. Mas parece que, hoje em dia, a hipótese de um pai matar a filha dessa maneira é tão lógica, tão normal, tão previsível, que nem mesmo a hipótese de um suposto “Zezinho” (ou outra qualquer) é considerada. Espero que a polícia a esteja considerando, porque a imprensa em geral, até agora, já decidiu quem é o culpado (embora, escaldada, não o diga com todas as letras). É terrível o que vou dizer; mas de certo modo tenho esperança de que o culpado seja mesmo o casal. Porque se eles forem inocentes, o crime que está sendo cometido contra eles é tão grave quanto o assassinato de uma criança.

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