quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
1579) Grillet e o cine romance (4.4.2008)
Depois do sucesso de O Ano Passado em Marienbad, Alain Robbe-Grillet passou a ser disputado como roteirista por vários cineastas. Ele conta seu encontro com Michelangelo Antonioni. “Nós nos entendemos muito bem no começo,” diz ele. “Mas então eu comecei a descrever-lhe o roteiro que tinha em mente: Quando o filme começa, vê-se na tela...” Antonioni o interrompeu: “Conte-me a história. Eu resolvo o que se vê na tela”. Grillet conclui: “Mas isto era impossível para mim. Eu não sei pensar em termos de história. Só sei pensar no que alguém vê ou ouve”.
Antonioni era um cineasta da velha escola, sem muita capacidade fabulatória (para inventar histórias interessantes), mas dotado da capacidade de contar histórias alheias em imagens inesquecíveis. Quando Grillet se oferecia para fornecer as próprias imagens, surgia o impasse. Era como numa parceria em que Antonioni se dispunha a colocar música numa letra do outro, e o outro já lhe trouxesse a letra com melodia pronta.
A maioria dos obituários escritos a respeito de Grillet quando da sua morte semanas atrás referia-se a ele como alguém famoso nos anos 1960 mas hoje esquecido. Pode até ser que seus livros não venham sendo reeditados ou traduzidos; mas a sua linguagem infiltrou-se de forma pervasiva em toda a literatura de hoje. Onde quer que nos deparemos com a tal literatura “câmera + gravador”, ali está a marca do criador do Nouveau Roman francês. É cada vez maior na literatura de hoje a presença de autores com intensa memória ou imaginação visual, autores que com esse talento formatam todo um estilo de expressão.
Georges Perec, em As Coisas ou em A Vida Modo de Usar elevou ao quadrado essa veia descritiva de Robbe-Grillet. Perec tem uma riqueza verbal espantosa, e uma mistura de imaginação e memória visual que fazem dos seus livros uma das literaturas mais visuais do nosso tempo, em que ambientes, pessoas e objetos são descritos com uma excepcional eficácia. Para contrabalançar esse voyeurismo compulsivo, Perec é também um excelente inventor de enredos, de peripécias, de complicadas interferências da história do personagem A na história do personagem B, que por causa disto interfere em C, que interfere em D, e assim por diante.
O que salva a literatura de Grillet de uma monotonia insuportável é sua propensão ao mistério, que faz com que possa aplicar-se a boa parte dela o que ele diz da literatura de Raymond Roussel: “O mistério é um dos temas formais mais prazeirosamente utilizados por Roussel: procura de um tesouro oculto, origem problemática deste ou daquele personagem, ou de tal objeto, enigmas de toda espécie apresentados a todo instante tanto ao leitor quanto ao herói sob a forma de adivinhações, de charadas, de colagens aparentemente absurdas, alusões, caixas de fundo falso, etc.” Num mundo como o dele, em que tudo é intoleravelmente nítido, o mistério está nas conexões entre o que é visto, na razão de ser do que se fez presente.
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2 comentários:
Mas você acha que em Marienbad o ARG "forneceu as imagens" e o Alain Resnais simplesmente filmou como um manual de instruções? Claro que não. ARG nem devia conhecer muito cinema, e aproveitou a oportunidade pra aprender com o Resnais. Muito possivelmente foi o próprio processo de filmagem que o deixou mal acostumado: ele notou que em um filme a imagem pode ser mais poderosa que a palavra. Assim, quando teve a chance de escrever novos roteiros, fez questão de participar do processo como um todo, entrando em conflito com os diretores tais quais o Antonioni. Não é a toa que em seus outros filmes relevantes ele também foi o diretor.
Acho que Marienbad foi um processo de aprendizado conjunto entre os dois Alains. O que Grillet parece dizer é que para ele não existia o chamado subtexto psicológico, aquilo que o personagem está pensando. Para ele, só existia o que é possível ver e ouvir.
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