segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

1569) A palavra nocebo (23.3.2008)




“Aceita um placebo?” era a pergunta de Nenê para Lineu, num episódio do seriado A Grande Família. Vestindo um roupão vaporoso, ela tenta seduzir o maridão entediado oferecendo-lhe um drinque exótico. A palavra “placebo” é usada aí totalmente fora de contexto (daí o humor da cena – Nenê mal sabe do que está falando, ao tentar bancar a sofisticada), mas é um termo corrente na linguagem médica. 

Placebo é o falso remédio (geralmente variantes do popular água com açúcar) que os médicos receitam para pacientes hipocondríacos. Crentes que estão tomando uma medicação poderosa, eles acabam melhorando de um desconforto que é apenas psicológico.

Um artigo no Washington Post discute o conceito oposto, que recebe o simpático nome de “nocebo”. Um nocebo é uma substância neutra que pode produzir um efeito prejudicial na pessoa, caso esta acredite que isto irá acontecer. 

Certas pessoas hipocondríacas costumam ler bulas de remédio do começo ao fim, dando atenção especial aos “efeitos colaterais” do remédio, que o fabricante é obrigado a advertir na bula. O doente ouve falar em problemas gastro-intestinais ou dor de cabeça, e é o que acaba sentindo – mesmo se na hora da medicação o comprimido for substituído por um de açúcar.

Toda doença tem algo de psicológico. Claro que não basta imaginar um enfarte para cair ciscando, e também não basta pensar “vou ficar bom” para reverter uma doença real. Mas muitas reações corporais têm origem puramente psicológica. 

Cientistas já provaram repetidamente que pessoas alérgicas reagem a menções puramente simbólicas daquilo que lhe provoca alergia – efeito que eu já comprovei, quando tive uma crise de espirros no Cine Babilônia ao ver a cena da tempestade de poeira no filme Esta Terra é Minha Terra

Tudo depende (dizem os doutores) do que a mente está esperando, mesmo que ela espere algo infundado ou absurdo. Um estudo realizado na Holanda indicou que a maioria das pessoas pesquisadas considerava que pílulas vermelhas ou alaranjadas tinham efeito estimulante, enquanto pílulas azuis e verdes eram depressivas. Por que? Não se sabe.

“Nocebo” é uma palavra curiosa, um destes termos que são inventados para ser o contraponto simétrico de outro. 

“Placebo” é uma conjugação do verbo latino “placere”, que significa agradar, fazem bem a alguém. Daí surgiram substantivos, como “prazer”, ou o verbo burocrático “aprazer” (“Muito me apraz comunicar a Vossa Senhoria...”). 

“Nocebo” foi criado por semelhança, a partir do radical “noc”, que significa dano, prejuízo, etc. (do qual vieram “nocivo = que faz mal”, e “inócuo” ou “inocente”, o contrário disso).

Vejam só. Uma pilulazinha, um “cachéte” como se dizia antigamente, composto de farinha diluída e açúcar. Pode fazer mal – e pode fazer bem. Quem determina isso é o prefixo latino que usamos, e a idéia fixa, seja positiva ou negativa, que instalamos no fertilíssimo terreno dos nossos neurônios. Quando acabar o maluco sou eu.






Nenhum comentário: