sábado, 26 de dezembro de 2009

1450) Os crimes de Skidmore (6.11.2007)


Quando David Lynch mandou ao ar nos anos 1980 sua série de TV Twin Peaks ele pegou no contrapé todos os espectadores e críticos para quem a criminalidade doentia nos EUA era privilégio das desumanizadas metrópoles, enquanto nas cidadezinhas do interior repousava o coração pacato e democrático da verdadeira América. Lynch passou o rodo por cima dessa falácia e mostrou que também no coração remoto da América fervilha um ambiente sombrio de crueldade mórbida. Este ambiente já era familiar aos leitores e espectadores dos filmes de terror, desde os romances de Stephen King até filmes como Massacre da Serra Elétrica e outros parecidos.

Vi na imprensa uma matéria curiosa sobre a cidadezinha de Skidmore (Missouri). Crimes bárbaros têm ocorrido ali nos últimos anos. Nos anos 1980, a cidade vivia aterrorizada por um valentão chamado McElroy, que agredia todo mundo. McElroy foi morto a tiros numa rua central, diante de inúmeras pessoas, mas ninguém declarou ter visto de onde partiu o tiro. Em 200, Wendy Gillewater foi morta a pontapés pelo namorado, que agora cumpre prisão perpétua. Em abril de 2001, um rapaz de 20 anos desapareceu e não foi mais encontrado, embora um “serial killer” da região tenha sido acusado de sua morte. O crime mais recente foi o assassinato de uma mulher grávida cujo feto foi arrancado do ventre.

Tudo isto seria chocante, mas não surpreendente, se Skidmore fosse do tamanho de Campina Grande. Acontece que a cidade tem apenas 350 habitantes, o que lhe dá o índice mais elevado de crimes brutais “per capita” nos EUA. O xerife da cidade confessa, constrangido, que em qualquer lugar do país as pessoas lhe dizem: “Ah, você é de Skidmore? Aquela cidade dos crimes violentos?”

Não podemos discutir a origem da violência específica de Skidmore sem conhecer a cidade. Mas podemos extrapolar desse fato uma constatação provisória. Os crimes violentos não são sempre conseqüência da pobreza, da falta de instrução, do desemprego, da impessoalidade e frieza das grandes cidades. Mesmo em lugares onde todos estes fatores estão ausentes, crimes bárbaros podem acontecer. Acontecem em Skidmore, acontecem na Suíça, na Suécia ou em qualquer outro aparente paraíso de estabilidade social. Num pacato vilarejo europeu um maluco invade um local público e fuzila dez pessoas. Quando reduzimos o emprego e a miséria, quando damos educação, motivação, cultura, senso de valores, estamos sem dúvida eliminando grande parte da violência em nosso mundo – mas não toda. Eliminamos os crimes sociais, mas não os crimes individuais. Existe no ser humano (em muitos seres humanos) uma espécie de bicho feroz preso por uma corrente. Diferentes condições ambientais e diferentes histórias de vida fazem com que um certo indivíduo, num certo lugar, sinta o bicho acordar, atirar-se para a frente, partir a corrente e fugir ao controle. São crimes quase impossíveis de prever e de reprimir.

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