Há conceitos considerados o “sine qua non” da Ciência: exatidão, possibilidade de quantificação (reduzir tudo a números e estatísticas), previsibilidade de resultados, controle total dos processos, etc. Governos modernos e tecnocráticos, p. ex., trabalham em função disso. Ora, a predominância de tais conceitos se deve ao desenvolvimento de ciências como a Física, a Astronomia, a Química, etc., a partir do século 17. Alguns chamam a esse conjunto de conceitos “o paradigma de Galileu”, porque foi o grande experimentador italiano quem, de certo modo, deslanchou essa revolução.
Daí vem a desconfiança que os cientistas dessas áreas têm, p. ex., com as Ciências Médicas e as Ciências Sociais, cuja relação com o mundo não se reduz aos mesmos termos. (Embora tentem: os Economistas, por exemplo, são um caso à parte.) Li a transcrição parcial de um artigo de Carlos Ginsburg (em Mitos, Emblemas e Sinais, Cia. Das Letras) onde ele tenta fazer um do-in nesse ponto inflamado do conhecimento humano. Diz ele: “O verdadeiro obstáculo à aplicação do paradigma galileano era a centralidade maior ou menor do elemento individual em cada disciplina. Quanto mais os traços individuais eram considerados pertinentes, tanto mais se esvaía a possibilidade de um conhecimento científico rigoroso”.
Quer dizer – científico no outro sentido do termo. Não se pode criar um bebê como se constrói um edifício, e não se pode examinar uma pessoa doente como se examina um motor com defeito. (Como diz um médico amigo meu: “A principal diferença é que a pessoa sabe que está doente, e o motor não sabe que está defeituoso”) Tudo que envolve matéria orgânica apresenta complicações que a matéria inorgânica não tem. O que é físico e biológico é mais complexo do que o que é apenas físico. O que envolve a consciência envolve maiores complexidades. Tudo que envolve o relacionamento social é mais complexo ainda – embora, como alívio, o comportamento dos grupos sociais possa ser previsto estatisticamente, assim como pode-se prever estatisticamente o movimento coletivo das partículas sub-atômicas.
Diz Ginsburg que é necessário criar um paradigma “fundado no conhecimento científico do individual”. É o que pedem as disciplinas “indiciárias” (que incluem a medicina), onde tão importantes quanto as verdades genéricas sobre a espécie, etc. são os indícios específicos que aquele indivíduo fornece ao examinador e que caracterizam o seu caso – o qual tanto pode ser mediano e típico como pode ser extraordinariamente raro, e nem por isso menos cientificamente real. Quando nos queixamos de que o médico do nosso Plano de Saúde faz duas ou três perguntas, olha nossa língua e depois receita um antibiótico, sabemos por intuição que ele está se recusando (por negligência ou por exaustão de carga horária) a procurar o que nosso caso tem de único e específico, e que talvez seja crucial para nossa cura.
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