terça-feira, 13 de outubro de 2009

1301) Reinaldo é nosso Rei (15.5.2007)



Quando ele apareceu no Pasquim, seus cartuns eram à base de texto, de piadas verbais, com bonequinhos resolvidos em poucos traços. Na época era costume adivinhar influências; eu dizia que o estilo de Reinaldo era uma imitação do de Dave Berg, da Mad. Os amigos retrucavam: “Tá maluco, não tem nada a ver”. De fato, o desenho não tinha nada a ver, mas o humor dos dois estava todo nos baluns, que em vez de apontar para personagens bem poderiam estar apontando para palavras: “Marido”, “Esposa”, “Guarda de Trânsito”.

O tempo passou e Reinaldo foi evoluindo, ou terá sido a minha percepção das coisas que se refinou. Saiu do Pasquim e fundou, com Hubert e Cláudio Paiva, o Planeta Diário – que os pernambucanos, bairristas como eles só, dizem ser uma simples imitação do recifense Papa Figo de Bione e Zé Teles (e pode até ser, visto que Teles é de Campina Grande). Depois, juntaram-se à turma de Bussunda, Marcelo Madureira “et caterva”, e criaram o Casseta & Planeta que hoje pontifica na Rede Globo. Tornaram-se milionários, e hoje todos têm contas bancárias nas Ilhas Cayman e vivem em condomínios fechados na Barra da Tijuca. Reinaldo, por exemplo, mora numa mansão desenhada por Steinberg. Diversificou suas atividades, que hoje incluem vestir-se de mulher diante de 50 milhões de telespectadores e tocar numa banda de jazz, embora esta última possa ser uma simples desculpa para que ele possa sair de casa à noite e retornar ao amanhecer exibindo leves traços de descoordenação motora.

A Teoria da Evolução pode ser confirmada cientificamente no livro Desenhos de Humor (Rio, Desiderata, 2007), que reúne em pouco mais de 120 páginas uma amostra de como a produção do desenhista se sofisticou tecnicamente. Alguns trabalhos são do tempo do Pasquim: aqueles baluns com vários hectares de extensão e texto em letras de imprensa que parecem ter sido traçadas com uma caneta-tinteiro antiga, daquelas Compactor ou Parker 51. A variedade de estilos é surpreendente, quando os desenhos são vistos de uma assentada só, comprimidos num espaço restrito (o único defeito do livro é não ter umas 600 páginas). Há inclusive uma seção sobre jazz, onde o autor afirma ser o único cartunista de jazz do país. Dois policiais contemplam um sujeito amarrado e de olhos vendados, sob uma lâmpada acesa pendurada no teto; um deles empunha um contrabaixo acústico e diz: “Chefe, acho que agora ele fala”. O outro brutamontes concorda: “É... Todo mundo começa a falar na hora do solo de contrabaixo”.

É um clichê dizer que o Brasil é “top de linha mundial” em três coisas: futebol, música popular e novelas de TV. A estas três categorias poderíamos juntar “humor gráfico”, ou que nome se queira dar ao que faz essa turma do verbo e do traço. Desde que Millôr, Appe e Borjalo começaram a me abrir os olhos no Cruzeiro e na Manchete Esportiva, nunca mais parei de tirar meu chapéu de linhas pontilhadas para esta galera cuja profissão é correr o risco.

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