Chego ao Centro Cultural, pego minha senha, adentro a exposição principal. É um vasto salão de paredes nuas, chão nu, teto nu, e toda essa nudez dionisíaca deve ter como propósito equilibrar a sobriedade apolínea da obra exposta no meio do aposento.
Aproximo-me. Sobre o chão de tacos há um praticável de madeira em tom neutro, com um metro quadrado, e em cima dele A Obra.
É uma caixa de acrílico transparente, que parece inteiriça, porque não percebo junturas nas suas arestas. Não é quadrada nem retangular; lembra um pouco uma estrela tridimensional, com raios que se expandem em todas as direções a partir de um centro, só que um raio é cilíndrico, outro é um cone fino e torto, outro é uma série de bolotas de tamanhos diferentes, outro é uma haste que se expande em cálice-losango, cada um deles com diâmetros entre dez e vinte centímetros, e todos ocos.
Rodeio dum lado, rodeio do outro, fazendo de conta que não vi direito algum detalhe, mas na verdade estou ganhando tempo diante de mim mesmo, porque me sinto na obrigação de ter uma idéia.
À minha esquerda um casal, ele de bengala e barba branca, ela de óculos acadêmicos e cara de sobrenome europeu. “Multiplicidade”, murmura ele. “E simultaneidade”, retruca ela. Ele pega a deixa: “É um corte sincrônico nas possibilidades do Ser”. Ela: “Sim – mas é uma interrupção no seu devir”.
Rodeio de novo. Dois rapazes de roupa descuidada, cavanhaque pop e cara de quem deu uma bola. “Vi um igualzinho em Kassel”, diz o mais alto. “O autor disso também viu”, diz o outro. E soltam casquinadas escarninhas, tapando a boca com a mão.
Volto a rodear e me aproximo de um grupo de moças, todas bronzeadas, todas de ombros à mostra, todas de testa franzida, em volta de um quarentão de cavanhaque, terno preto, camisa preta, cabeça raspada, parecendo o Agente 47 do “Hitman”. Uma dela diz: “Mas, o que que tem aí dentro?” Antes que ele responda, uma mais impetuosa responde: “Oxigênio!”.
Ele sorri, passa os braços sobre os ombros das duas (enciumando as demais, que se aglomeram em torno), e diz: “Sim. Oxigênio, azoto, poeira, mas acima de tudo...” Faz uma pausa dramatúrgica, e prossegue: “Espaço. É uma fragmentação do espaço através desse invólucro. Vejam como a substância envelopante tenta manter-se invisível, imperceptível. Não é ela a obra. A obra é esse formato que ela delimita. Podemos ter certeza de que não há, agora, neste instante, em todo o Planeta Terra, em todo o Sistema Solar, em toda a Galáxia, nenhum outro trecho do continuum-Espaço-Tempo que tenha o mesmo formato deste que estamos contemplando.”
Uma delas joga o cabelo para trás: “Uau”. Outra murmura: “Ai, professor, me arrepiei agora”.
Entenderam o que é Arte Conceitual? É teatro. Uma peçazinha de teatro que o público improvisa sem saber, criando diálogos e atitudes em torno de um Objeto Mudo que lhe serve de Catalisador de Idéias, ou de Mote Universal, ou de Tábua de Salvação.
Um comentário:
Finalmente entendi. :)
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