sábado, 29 de agosto de 2009

1226) “O Perfume” (16.2.2007)



Os dez primeiros minutos deste filme são de tirar da sala qualquer espectador que tenha entrado ali apenas em busca de uma poltrona enquanto come pipoca e fala ao celular. Reconstituindo a sujeira e a violência das ruas de Paris no século 18, ele nos oferece uma antologia impecável de imagens de sujeira e violência, e nos faz mergulhar de cabeça no ambiente onde nasce Jean-Baptiste Grenouille, o homem que tem o olfato perfeito.

O livro de Patrick Susskind foi grande best-seller há 20 anos. Muita gente deve lembrar dele. A adaptação é cuidadosa, fiel, visualmente impressionante. Descrever cheiros, seja com palavras ou com imagens, só é possível através de associações de idéias, e o filme o faz tão bem quanto o livro. (Se não leu o livro, caro leitor, vá dar uma olhada; seu olfato sairá muitíssimo enriquecido). Em alguns momentos me veio à memória aquele filme recente (Entre Umas e Outras, ou Sideways) em que um cara degusta vinho e faz descrições mirabolantes dos sabores que está sentindo.

O Perfume não é só isso. É também a história de um serial-killer, e talvez isto tenha ajudado na realização deste filme caríssimo, porque o cinema elegeu o serial-killer como símbolo de nossa época (Freud explica). É uma história de ficção científica, pois mostra como é possível, através de manipulações químicas, controlar e manobrar as emoções das pessoas. É também um conto fantástico, ao postular um indivíduo com uma percepção sensorial impossivelmente aguda e sem nenhum odor em seu próprio corpo. Vi algumas críticas onde se comentava que Grenouille, o Homem Que Não Tem Cheiro, seria por causa disto o próprio Diabo, o que me trouxe à mente a lenda que comentei nesta coluna em “O Diabo: o homem que não sua” (5.4.2006).

Grenouille mata mulheres para extrair a essência de seus corpos e fabricar o perfume perfeito, capaz de produzir em quem o sente a ilusão de estar no Paraíso. Seu mestre Baldini (Dustin Hoffman) tem, para explicar a beleza dos perfumes, uma teoria musical baseada em notas, acordes dominantes e sub-dominantes. Grenouille me lembrou o filme Amadeus de Milos Forman: é um Mozart maligno. Diante de uma linda mulher, ele, nascido na sarjeta e criado no submundo, não sabe o que fazer com ela, a não ser roubar e guardar, com a obsessão de um vampiro avarento, o precioso líquido em que aquela beleza foi destilada em essência.

O diretor é o mesmo de Corra, Lola, Corra (que comentei aqui em 9.12.2005). Dois filmes de tema, técnica, estilo e espírito completamente diversos – o que, para mim, é uma excelente recomendação para um diretor de cinema. O Perfume é uma dessas raras adaptações cinematográficas tão densas quanto o livro original. Não é para todos os gostos, mas, ao contrário dos filmes de Hannibal Lecter, não glorifica o sadismo ou a crueldade. O assassino é desumano o bastante para que não queiramos nos identificar com ele, e possamos acompanhar de fora a limpidez de sua obsessão.

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