quarta-feira, 5 de agosto de 2009

1174) A arte e o pantim (17.12.2006)




Entre os 11 e os 16 anos não fiz outra coisa senão jogar bola e brincar nos descampados do Alto Branco. Naquele tempo era um bairro deserto, bravio, com uma casa aqui, um pedaço de rua acolá, estradas de areia branca, vastos matagais de jurubebas e muçambês. 

As enxurradas de chuva desciam lá do alto, criando córregos, escavando “canyons” na terra fofa, e no meio desses desfiladeiros cercados de rochedos perseguíamos índios apaches e invasores alienígenas. 

De vez em quando tinha uma faixa de terra batida ou um trecho de grama vagamente retangular que usávamos como campos de pelada, dos quais costumo extrair metáforas para minhas divagações filosóficas, assim com Sartre extraía as suas do comportamento das pessoas nos cafés parisienses.

Toda vez que ligo a MTV hoje em dia e vejo esses grupos de rock atual me lembro de um guri amigo meu, cujo nome não revelarei, que era muito ruim de bola mas adorava jogar futebol. 

Jogava para se divertir, sem se preocupar muito com o resultado, e apesar de ser um cara legal era sempre um dos últimos a serem tirados no par-ou-ímpar. Quando não tínhamos outro jeito senão botá-lo de goleiro, era preciso redobrar de cuidados, porque ao vir um chute ele armava o pulo, dava uma cambalhota acrobática que lembrava os vôos de Pompéia ou Castilho, e caía rolando no chão, cheio de entusiasmo. 

Evitar o gol nem lhe passava pela cabeça. Zezito Pé-de-Palheta, filho de Dona Joana e craque consumado, ficava furioso: “Esse menino véi não sabe o que é defender uma bola! De goleiro ele só sabe o pantim”.

Assim é o rock de hoje, meus amigos. Os jovens roqueiros que arrivam no mercado já sabem de cor e salteado como se vestir, como andar, como falar, como dar entrevistas, como se comportar em público, como dizer graçolas, como fazer caretas, como fazer cara de mau, como fazer cara-de-atitude... 

Só não sabem fazer música (rock é música, caso vocês não saibam, assim como livro policial é literatura, cordel é poesia e quadrinhos é arte visual). 

Na verdade seguem o dito de Raul Seixas: não são músicos, são atores que fazem o papel de músicos. Para terem o direito de subir num palco, aparecer na TV, encher a cara de cerveja e arrebentar quartos de hotel.

Achar que ser roqueiro é isto é como observar de longe a vida de certos jogadores famosos e achar que ser craque de futebol é freqüentar discotecas, namorar modelos, fazer propaganda de trinta coisas diferentes, participar de obras beneficentes, sair em capa de revistas, dirigir carrões, e no domingo não jogar futebol, fazer só o pantim.

Despertai, rapaziada! Estais ouvindo o galo cantar e não sabeis onde. Rock, futebol, política, hoje em dia está tudo invadido pelo marketing, pela performance, pela composição-de-imagem, pela arte da postura, por toda uma casca externa de aparências e efeitos especiais, tendo dentro de si um enorme oco. Como dizia Lobão, que entende de rock mais do que eu: “É tudo pose, é tudo pose, é tudo pose”.





 

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