quinta-feira, 21 de maio de 2009

1042) O precavido (19.7.2006)




Tem um conhecido meu que é o sujeito mais precavido que eu já vi. Ele se recusa a admitir que é pessimista; diz que é apenas cuidadoso. A casa-de-campo dele tem alarme contra ladrão, alarme contra fogo, combinações de disjuntores que podem ligar ou desligar tudo instantaneamente, conforme o caso, ao menor sinal de anormalidade. Tem cerca comum, cerca elétrica, cães ferozes. Tem pára-raios também, o que me parece uma doidice, pois pelo meu raciocínio um pára-raios é uma vareta metálica erguida na direção do céu com a finalidade precípua de atrair raios; mas ele não se abalança.

A coisa mais difícil do mundo é uma catástrofe pegá-lo desprevenido. Se um dia ele for andando pela rua e cair um paralelepípedo do quinto andar sobre sua cabeça ele rapidamente desviará sua trajetória com uma engenhoca desdobrável que tirou do bolso, e nessa engenhoca provavelmente há uma plaquinha metálica onde tem escrito: “Desviador de Paralelepípedos Caídos do Quinto Andar – Made in Taiwan”.

O precavido é um sujeito muito chato quando suas precauções nos envolvem. Você chega com ele ao estádio com os times já entrando em campo, mas ele dá voltas e voltas em busca do lugar ideal para deixar o carro: “Aqui tá meio escuro, meio esquisito... Não gostei da cara desse guardador...” – e a gente roendo as unhas, vendo a hora ouvir o clamor de um gol.

Por outro lado, feliz de quem tem um sujeito assim como funcionário. Você pega o paletó às seis horas e diz: “Alfredo, desliga e fecha tudo quando sair, visse?” – e vai tomar chope em paz, sabendo que ele nunca verifica cada porta ou janela menos de três vezes.

Já trabalhei com gente assim, e é a coisa melhor do mundo. Eu me sentia como Ulisses, ouvindo o canto das sereias enquanto os companheiros remavam.

Pessoas precavidas acabem servindo como parâmetro para todas as outras que gravitam à sua volta: família, colegas, etc. Se você pergunta a um neurótico destes “se está tudo OK”, e ele diz que sim, você nem sequer confere o balancete, manda direto para o presidente da firma. Porque o precavido é um advogado-do-diabo de si mesmo. Sua principal ocupação é ficar imaginando tudo que pode dar errado, tudo de ruim que pode acontecer, e ir preparando neutralizações antecipadas para todos estes problemas.

Pode parecer que um sujeito assim é o típico pessimista, mas eu acho justamente o contrário. O precavido é um otimista incorrigível. Ele sempre acha que no fim de tudo vai se dar bem. Ele acha que vai evitar que o ladrão entre em casa, que o carro seja roubado, que o cupim roa, que o enfarte surpreenda, que a fiação dê circuito, que o Leão da Receita o pegue em contradição, que o cheque ultrapasse o limite...

O problema com o precavido é quando ele começa a se parecer com o governo Bush e passa a se antecipar às ameaças, invadindo hoje qualquer país que tem remotas chances de ter vontade (e recursos) para ameaçá-lo amanhã.






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