segunda-feira, 20 de abril de 2009

0993) Elino Julião (23.5.2006)



Um domingo simpático de sol e céu azul no Rio de Janeiro. Acordei, tomei café folheando o jornal, liguei o computador para checar meus emails, e na lista de assuntos a primeira frase que me chamou a atenção foi: “Morreu Elino Julião”. Foi o quanto bastou para o dia adquirir a tonalidade tenebrosa e lúgubre da Visão de Toledo de El Greco.

Lembrei os anos que passei acompanhando o trabalho de Fernando Moura e Antonio Vicente para pesquisar e escrever Jackson do Pandeiro – o Rei do Ritmo (Editora 34, SP, 2001). O esforço para localizar documentos, checar versões conflitantes dos fatos. O trabalho insano de rastrear e entrevistar pessoas idosas, de fala trôpega e memória instável. Imagino que quando eu estiver com 80 anos, pesquisadores virão bater à minha porta. “O sr. ouvia Elino Julião? Viu algum show dele?” Vi, sim. Vi pela última vez o grande forrozeiro num memorável show no São João de Campina, creio que em 1999. Vi à distância, tomando cerveja com ribaçã numa barraca, e acompanhando pelo telão Elino encapetado, lá e cá no palco, com um paletó amarelo visível a dez quilômetros de distância. Não vi de perto, amigos, porque a multidão não permitiu. Era gente demais.

Bons tempos, em que os principais shows do São João da Paraíba eram de forrozeiros, e não de cantores românticos paulistas com chapéu de cowboy. Elino Julião desfiou seus grandes sucessos: “Na Tamarineira” (“Só por te amar, tô dessa maneira, e na Tamarineira, sei que vou parar...”), “O Rabo do Jumento” (“Você disse que é brabo, Nascimento... Você cortou o rabo do jumento...”), “Forró da Coréia” (“Só tem véia, só tem véia, no forró da Coréia...”), “O Burro” (“Vamos dar valor a quem trabalha, vamos dar valor a quem dá murro... O burro é quem merece uma medalha, o burro é quem trabalha, o burro é quem dá murro”)..., “Puxando fogo” (“Pra ter animação na festa, São João só presta puxando fogo”). Muitas. A lista não cabe aqui.

Elino (que ia fazer 70 anos em novembro) era um caboclo encarcado, do olho aceso, cheio de eletricidade, e com uma voz extensa de quem aprendeu a cantar sem microfone. Seus forrós tinham a vivacidade alegre das canções feitas em cima de boas idéias. Nada a ver com tanto forró que se faz por aí – uma justaposição, em linha de montagem, de clichês de letra, clichês de melodia e clichês de arranjo. Não vou ficar aqui lamentando a desatenção da imprensa, porque eu mesmo tenho esta coluna há três anos e nunca falei dele. Achei que não precisava. Eu é que ficaria orgulhoso se um cara como ele falasse um dia de mim, ou, melhor ainda, gravasse um forró meu (que nunca mandei, por timidez incurável). Daqui a 30 anos, jornalistas jovens baterão à minha porta. “Seu Braulio, o que era esse tal de forró?” E eu direi: “Rapaz, era a coisa melhor do mundo, e foi um produto de exportação nosso, antes que alguém começasse a nos vender a idéia de que a música dos cowboys ricos de São Paulo era superior à nossa”.

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