sexta-feira, 3 de abril de 2009

0947) Rosa e as pistas falsas (30.3.2006)




("Diadorim", de Aldemir Martins)

Um dos segredos mais públicos da história de Literatura é a identidade de Diadorim, o jagunço por quem outro jagunço, Riobaldo, vive apaixonado em silêncio, em Grande Sertão: Veredas. Esta paixão impossível não é o tema central do romance, mas tornou-se tão famosa que hoje em dia alguém só começará a ler o livro sem saber que Diadorim na verdade é mulher se for um leitor muito desligado da vida literária.

Este elemento é um dos mistérios principais do livro, e, como bom escritor de histórias de mistério, Guimarães Rosa faz um jogo de gato-e-rato com o leitor, cheio de despistes e de falsas sugestões.

A certa altura do livro, Riobaldo conhece Otacília, filha de fazendeiros, moça linda por quem ele julga também se apaixonar. Àquela altura ele já admitira a si próprio que amava Diadorim, e muitos críticos vêem na figura de Otacília uma tentativa de “retorno à normalidade”, de “fuga ao proibido”.

E Riobaldo não deixa de perceber que Otacília e Diadorim “não se cruzam” desde o primeiro momento. O poeta Alexei Bueno citou numa palestra recente o trecho em que Riobaldo se refere a este encontro, e que acontece nas páginas 181-182 da 2a. edição, a que possuo:

“Ela não gostava de Diadorim – e ele tão bonito moço, tão esmerado e prezável. Aquilo, para mim, semelhava um milagre. Não gostava? Nos olhos dela o que vi foi asco, antipatias, quando em olhar eles dois não se encontraram. E Diadorim? Me fez medo. Ele estava com meia raiva. O que é dose de ódio – que vai buscar outros ódios. Diadorim era mais do ódio do que do amor? Me lembro, lembro dele nessa hora, nesse dia, tão remarcado. Como foi que não tive um pressentimento? O senhor mesmo, o senhor pode imaginar de ver um corpo claro e virgem de moça, morto à mão, esfaqueado, tinto todo de seu sangue, e os lábios da boca descorados no branquiço, os olhos dum terminado estilo, meio abertos meio fechados? E essa moça de quem o senhor gostou, que era um destino e uma surda esperança em sua vida? Ah, Diadorim... E tantos anos já se passaram”.

Rosa, com a habilidade de uma Agatha Christie ou de um Ellery Queen, passa a verdade diante do nosso nariz, mas só sentimos o cheiro da mentira. Na situação que ele nos coloca, o que vemos é o confronto mudo entre Diadorim, o jagunço feroz, matador, e a suave Otacília.

E quando Rosa se refere ao corpo de uma moça “morto à mão”, etc., o que nos induz a supor é o medo de Riobaldo de que Diadorim viesse a matar Otacília, pelo ódio instintivo que sente por ela.

A finura psicológica desse momento é ainda maior porque ele, Rosa, nos deixa entrever na narração de Riobaldo a esperança de que Diadorim quisesse mesmo matar Otacília por ciúmes, o que seria uma prova de que Diadorim também o amava.

É só no fim do romance que percebemos que a moça esfaqueada que ele nos descreve não é Otacília, mas o próprio Diadorim, morto no derradeiro combate, e só então tendo seu segredo revelado.





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