sábado, 28 de março de 2009

0928) Ser famoso (8.3.2006)


(Norman Rockwell, "Auto-Retrato")

Por que é útil ser famoso? Porque as pessoas são vaidosas, egocêntricas, etc.? Pode ser, mas não é só isto. Tenho (adivinhem!) uma teoria. Existem quatro níveis de formação da realidade mental, e a Fama tem a ver com o quarto nível.

O primeiro nível é o que temos desde a pré-história: os contatos diretos que mantemos com outras pessoas, tudo que dizemos, ouvimos, presenciamos. O segundo nível é o das informações indiretas: o que aprendemos oralmente, o que ouvimos da boca de terceiros, relatos em segunda mão sobre o que existe ou o que aconteceu. É a famosa “cultura oral”. O terceiro nível é o dos meios de comunicação “civilizatórios”: documentos, livros, obras literárias ou pictóricas, escrituras sagradas, relatos. Até o século 19 o ser humano existiu nestes três níveis, sendo que a única “revolução” neles foi a invenção da imprensa no século 16.

O quarto nível surgiu no século 19 com a invenção da fotografia e do cinema, um imenso salto qualitativo em relação a técnicas milenares como pintura, desenho, gravura, etc.; e, depois, o surgimento das telecomunicações: rádio, telegrafia, telefone, telex, fax e TV. Esse quarto nível expandiu-se sob a forma de imprensa ilustrada, TV aberta, TV a cabo, Internet, celulares, e toda a parafernália visual que está explodindo por aí.

Devem existir centenas de teses sociológicas calculando a percentagem e a importância relativa desses níveis na formação das mentes individuais e dos padrões culturais. O mundo mental de um velho sertanejo depende 90% dos três primeiros níveis. Num adolescente de classe média urbana, esta proporção se inverte. O quarto nível é mais real que o resto.

Ser famoso é produzir clones virtuais de si próprio nesse quarto nível. É o nome no jornal, a foto na revista, o rosto na TV. No momento em que dizemos uma fala de dez segundos no “Jornal Nacional” esses dez segundos são multiplicados por 50 milhões de espectadores. Nossa existência terrena não fica mais longa – mas fica mais larga. Há mais de um século esse quarto nível, que se expande em progressão geométrica, é um referencial tão importante quanto (ou muito mais do que) nossas fontes de informação pessoais, diretas ou indiretas.

Edgar Morin chamou de “Os Olimpianos” àqueles que vivem nesse universo luminoso e deslumbrante da mídia. Nós os contemplamos diariamente, acompanhamos suas vidas, chegamos a conhecê-los melhor do que aos nossos vizinhos do lado. Recentemente, uma nutricionista chamada Ruth Lemos deu uma entrevista na TV e “pagou um mico” histórico porque estava com um ponto eletrônico no ouvido e começou a repetir o eco que ouvia. Virou piada. A imagem circulou na Net. Criaram 48 comunidades sobre ela no Orkut. Que foi chato, foi. Mas hoje ela é famosa. Num restaurante, num aeroporto, numa entrevista de emprego, basta-lhe dizer: “Eu sou Ruth Lemos, a moça que falou sanduíche-íche-íche na TV”. E as pessoas imediatamente acreditarão que ela existe.

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