segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

0832) A canção sertaneja (16.11.2005)



Não tenho preconceito contra a chamada canção sertaneja (paulista, mineira, goiana, etc.) que hoje é um dos grandes sucessos fonográficos e televisivos no país. Eu simplesmente não gosto. E não gosto porque, curiosamente, o que mais falta nessas músicas é sertão. A música que vejo sendo feita por Zezé di Camargo & Luciano, Leonardo, Bruno & Marrone e tantos outros, nada tem de música rural, de sertão, de interior. É uma canção romântica urbana, cujos antecedentes na MPB são os boleros que nos anos 1960, quando comecei a dedilhar meu violãozinho, eram gravados por cantores como Anísio Silva, Orlando Dias, Agnaldo Timóteo, Alcides Gerardi, Agnaldo Rayol. Essa canção romântica, que nós adolescentes considerávamos “coisa de gente velha e careta” fez, por obra e graça da mentalidade estratégica dos produtores, uma aliança tática com a Jovem Guarda e daí surgiram “os românticos jovens” como Wanderley Cardoso, Paulo Sérgio e Sérgio Reis, que acabou como um dos responsáveis por essa ponte romântico/sertanejo.

E não devemos esquecer Roberto Carlos, grande camaleão musical que começou imitando João Gilberto, depois aderiu ao rock, foi flertado pelo Tropicalismo, e a partir dos anos 1970 tornou-se o incontestado Rei da Canção Romântico-Popular. Musicalmente, os “sertanejos” de hoje são crias de Sérgio Reis, dos Agnaldos (Rayol e Timóteo), e do Rei. Sua música – pelo menos daqui de onde os escuto – nada tem a ver com os sertanejos como Tonico & Tinoco ou Jararaca & Ratinho.

Reconheço que no chamado universo sertanejo existe toda uma faixa de artistas que fazem a música “segura peão”, a música que celebra o universo dos rodeios e das acrobacias eqüestres que a novela América não foi a primeira nem será a última a celebrar. Neste caso, sim, admito que o elemento sertanejo está presente. É um sertanejo urbano e de classe média, contudo, se me perdoam esta descrição aparentemente contraditória. O interior de São Paulo e Minas Gerais urbanizou-se, enriqueceu, é hoje uma colcha-de-retalhos de grandes fazendas e numerosas indústrias. Os “sertanejos” que produzem e ouvem esse tipo de música andam de jipe, usam chapéus e botas comprados em shopping centers, bebem uísque. Não são os sertanejos que nasceram “naquela serra, num ranchinho beira-chão”, não são mais os que viajavam “pela estrada de Ouro Fino”.

Dizem alguns teóricos que a Arte mais visceral brota das situações-limite, e que a pobreza é uma destas. Quando o sujeito ganha dinheiro, adquire conforto e se estabiliza na vida, passa a produzir uma arte meramente consumista, de entretenimento banal. Não digo que seja uma lei universal – mas que acontece, acontece. O insuportável excesso de músicas “sertanejas” que falam apenas bobagens amorosas é, para mim, um sinal de vitória do comercialismo sobre a expressão artística. O sertão entra como pretexto, mas é um sertão que não existe mais, um sertão-espetáculo, um sertão-souvenir, uma griffe chamada sertão.

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