segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

0768) Música sem imagem (3.9.2005)




Aconteceu com um amigo meu. O filho estava sentado no chão da sala, brincando; ele botou um CD qualquer no som e sentou no sofá para ouvir. O garoto ficou se distraindo com seus super-heróis de plástico e de repente levantou a cabeça, curioso. “Cadê a imagem, pai?” “Que imagem?” perguntou ele. “A dessa música que tá tocando”. 

Sabem o que é isto? É (como dizia Gilberto Gil) “momento histórico, simples resultado do desenvolvimento da ciência viva”. Esse pirralho vive numa época diferente da nossa, uma época em que a cada acorde musical corresponde uma pirueta visual: a Era do Videoclip. 

Ouvir música, para ele, simplesmente música, é uma experiência amputada. Ele fica se sentindo como aquele cavaleiro da história de Ítalo Calvino, que teve metade do corpo arrancada por uma bala de canhão.

A junção da imagem à música foi sem dúvida uma conquista estética das mais importantes. Eu compraria, sem perguntar o preço, qualquer DVD que reunisse alguns dos curtas com que o canadense Norman MacLaren recriou a técnica cinematográfica sincronizando música orquestral e imagens abstracionistas, em experiências industrialmente mais modestas do que a Fantasia de Walt Disney, mas igualmente criativas. MacLaren nos dava a impressão de estarmos vendo música com os olhos.

Os anos 1960 foram o momento de encontro entre o cinema e o rock, e da minha parte credito a Richard Lester (Os reis do iê-iê-iê, Help) a invenção de pelo menos metade dos truques de câmara e edição que os videoclips dos anos 1980 disseminaram pelas emitivis do mundo afora. 

Se você pesquisa essas coisas, caro leitor (já percebi que tem leitor desta coluna que adora pesquisar) dê também uma olhada nos filmes de Ken Russell, um malucão que tinha lá seu estilo próprio de visualizar tanto a música de Tchaikovsky (Delírio de Amor) quanto a de The Who (Tommy).

A arte de editar imagens para comentar visualmente uma música pré-existente (muitas vezes uma música que as platéias já sabem de cor) é uma das mais fascinantes, mas o que quero apontar agora é um dos seus efeitos colaterais: o perigo de que, com as novas tecnologias de lazer, comecem a surgir gerações para quem uma música sem imagens é uma coisa incompleta, como um filme mudo. 

Ziraldo tem um livro magnífico chamado O Menino Quadradinho, história de um garoto que vive num universo de quadrinhos e que ao entrar na adolescência descobre que os quadrinhos e os desenhos desapareceram, e que agora ele está num universo feito somente de palavras. 

É um livro metalinguístico (começa como HQ, termina como um livro só-texto) e ilustra com simpatia esta aparente crise do leitor jovem que vai ter que aprender a ler livros “sem figuras”. 

Livros feitos só de texto podem ser tão difíceis quanto músicas feitas só de sons, mas numa civilização industrialmente visual como a nossa as duas coisas devem ser defendidas, para que a Imagem não vire uma ditadura.







Um comentário:

Sefronia disse...

Fui ver Tommy porque sabia que o Elton aparecia...mas quando vi o Who quebrando tudo...damned!