(as flores de Monet)
De passagem pela Paraíba, ouvi no rádio uma divertida chamada sobre o Campeonato Brasileiro. O locutor anuncia: “Campeonato Brasileiro, 8 meses de emoção. Em 8 meses, muita coisa pode acontecer”. Efeito sonoro. Voz de um cara: “Paulinha, me traz a cerveja, o jogo já vai começar!”. Efeito sonoro. Mesma voz: “Paula! Cadê a cerveja? O jogo já começou!” Efeito sonoro. Mesma voz: “Oi mãe... vim ver o jogo aqui. Tem cerveja?” Volta o locutor: “Em 8 meses, muita coisa pode acontecer”.
Uma propaganda da Tigre, na TV, mostra um céu estrelado. Voz de homem: “Que céu lindo”. Voz de mulher: “É mesmo”. Uma estrela cadente desliza pelo céu. Voz do homem: “Veja, meu amor! Uma estrela cadente! Faz um pedido!” Voz da mulher: “Já fiz. Pedi pra gente poder comprar um telhado, antes que chova”.
Em sua simplicidade, estes textozinhos dão aulas de economia narrativa, e mostram como contar uma história com um mínimo de efeitos. Discute-se muito na literatura o predomínio da História ou do Estilo. Para alguns, a literatura deve se concentrar em inventar histórias interessantes e contá-las com eficácia. Para outros, a história pode ser qualquer uma, o que importa é o estilo pessoal do autor. É como na pintura: quando Monet pinta uma flor aquática, o importante não é a flor que mostra, mas o modo como ele pinta a flor.
História e Estilo são a perna direita e a perna esquerda. Pode-se até andar sem uma delas, mas com as duas vai-se mais longe, e melhor. Os exemplos que citei acima vêm da publicidade, onde é às vezes o cara tem apenas vinte ou trinta segundos para criar uma situação e um desfecho. A melhor maneira de contar histórias assim é através da elipse: em vez de contar tudo, conta-se apenas uma pequena parte, confiando que o público saberá interpretar corretamente os sinais e preencher os espaços vazios. No caso da primeira história, por exemplo, não é preciso dizer que Paula é a esposa do sujeito. Poderia ser a irmã mais nova, por exemplo; mas algo me diz que em 99% dos casos o cara que pede uma cerveja pra ver futebol pede à mulher, não à irmã.
Em ambas as histórias não sabemos quem são essas pessoas. Para que? Basta entendermos, após as primeiras frases, que são marido e mulher. O aprofundamento da descrição social e psicológica dos personagens é uma grande conquista da literatura dos últimos séculos. Mas não é, em hipótese alguma, um requisito indispensável para se contar uma história. É o mesmo caso das piadas. Um sujeito entrou no bar e pediu uma cerveja... Num avião havia um alemão, um judeu e um brasileiro... Dois náufragos estavam numa ilha deserta... Quem são essas pessoas? Não importa. São funções narrativas, e deles diz-se apenas o que é relevante (sua nacionalidade, no segundo exemplo). A Arte de Contar Histórias é um mecanismo com milhares de anos. Seu emprego na Arte da Literatura não deve fazer a gente pensar que as duas são a mesma coisa, nem que são antagônicas.
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