quinta-feira, 9 de outubro de 2008

0584) Poesia oral e poesia recitada (1.2.2005)




(Colombita e Dedé da Mulatinha, em foto de Roberto Coura)

A “poesia oral” nordestina inclui coisas muito diferentes, que só têm em comum o fato de serem poesias e o fato de fazerem parte da literatura oral, a literatura que se faz com a voz, e não com lápis e papel. Distinguir as variáveis dessa poesia é muitas vezes um trabalho complicado. 

Uma Cantoria de Viola, por exemplo, é o exemplo mais típico de poesia oral, por se tratar de um espetáculo cuja própria essência é o verso feito na hora, cantado em voz alta no mesmo momento em que está sendo concebido pelo poeta. 

Mas, e quando no intervalo de uma Cantoria um dos repentistas atende ao pedido a platéia e canta uma canção tradicional, como “O Velhinho do Roçado” ou “Flor do Mocambo”? Essas canções fazem parte do universo cultural do violeiro, mas são “trabalhos prontos”, não são improvisos, e mesmo tendo brotado de dentro do caldo da poesia oral, não são um produto oral. 

São poesia “escrita”, mesmo que nunca tenham sido publicadas em livro ou gravadas em disco.

E o que dizer dos poemas matutos no estilo de Jessier Quirino ou José Laurentino? São publicados em livro, mas são claramente poemas que foram feitos para serem recitados em público, e grande parte do seu sabor vem justamente dessa recitação. As inflexões de voz fazendo um comentário irônico, realçando um sotaque, fazendo uma caricatura sonora do personagem, reproduzindo teatralmente as falas... Poemas que são bons no papel, mas só são completos em voz alta. 

São literatura oral? Mesmo assim, não creio. Tecnicamente falando, uma obra de literatura oral nunca é repetida duas vezes da mesma forma. A cada performance, trechos são omitidos, trechos são acrescentados, palavras são trocadas, versos mudam de ordem... O poema oral é como uma anedota: conta-se de memória, e não é preciso decorar com exatidão. Já no poema matuto, existe um texto fixo, tão fixo quanto o de um soneto de Augusto dos Anjos.

Oral é um coco tipo “Meu Nascimento” cantado por um embolador, no meio da rua. Cada versão, cada vez que ele é cantado, é diferente das outras. Ele é memorizado e repetido, mas nunca ao pé da letra. Há um fio condutor de episódios e situações que vão se sucedendo, mas o poeta sente-se livre para pular um, ou espichar outro, de acordo com o momento, com o interesse da platéia, com sua própria disposição. 

Mas quem começa a recitar “Vou-me embora pro passado” ou “Matuto no futebol” o faz com a intenção de reproduzir O Texto, porque existe um “texto inteiro” que serve de referência.

Poesia oral é um tipo artesanal de poesia, um artesanato onde repetem-se formas básicas mas sem o interesse da exatidão. 

Poesia escrita é um tipo industrial de poesia, onde existe um texto-base, uma matriz, uma “versão original”, e todas as versões subseqüentes devem ser iguais a esta. 

São duas coisas diferentes. Uma não é superior ou inferior à outra; apenas refletem situações sociais diferentes, maneiras diferentes de encarar a criação poética.






Nenhum comentário: